Assim,
Gabriel García Márquez jamais deixou de dardejar suas farpas sobre os políticos
de seu país o que vale dizer – ressalvadas as sempre raras exceções – sobre qualquer político de qualquer país latino-americano.
O relato que faz sobre as fórmulas de
circo, isto é o desvario da campanha eleitoral de um senador, no conto
“Muerte constante más allá del amor”, mais do que uma grande troça é um
testemunho. Parte do livro La increíble y triste historia de la cándida
Eréndira y de su abuela desalmada, publicado em 1972, como o indica
o título é uma história de amor. O amor de Onésimo Sánchez por Laura Farina.
Tinha ela dezoito anos e ao vê-la com os cabelos enfeitados por laços
coloridos, ficou sem fôlego, pois, ainda que vestida com uma bata gasta e
barata, era possível supor que não havia
outra mais bela no mundo.
Onésimo
Sánchez era senador e fora, mais uma vez, como sempre, a cada quatro anos, em
campanha eleitoral a Rosal del Virrey. Um povoado onde à noite atracavam os
barcos dos contrabandistas e que à luz do dia se mostrava como “o canto mais inútil do deserto, diante de um
mar árido e sem rumo. Pela manhã,
antes dele, haviam chegado os furgões para a encenação que se seguiria e, logo,
os caminhões com os índios de aluguel que eram levados pelos povoados para
completar a assistência dos comícios. Mais tarde, em meio à músicas e a
foguetes, ele chegou no carro do ministério que tinha ar condicionado e cor de refresco de morango. Depois de descansar,
voltou a aparecer em público e, da tribuna, recitou o discurso que sabia de cor
e que já fora, tantas vezes, repisado. Começou dizendo que estavam ali reunidos
para derrotar a natureza e que não mais seriam os enjeitados da pátria, os órfãos no reino da sede e da intempérie
[...], para prometer grandeza e felicidade. Enquanto isso, seus ajudantes
jogavam para o alto passarinhos de papel, tiravam dos furgões umas árvores de teatro com folhas de feltro
e as semeavam atrás da multidão no solo
de salitre e armavam uma fachada de papelão onde casas de tijolo vermelho
com janelas de vidro se desenhavam para esconder os ranchos miseráveis da vida real.
Para dar
tempo de que tal cenário fosse armado, o senador prolongou o seu discurso com
citações em latim e com mais promessas estéreis e tão fantasiosas como o seu
mundo inventado que mostrou, com o dedo para os que o escutavam. Somente ele se
deu conta de que de tanto ser montado e desmontado, o seu mundo de ficção já
era quase tão pobre e empoeirado e triste
como o Rosal del Virrey. Qualquer um que
o desejasse poderia ver o reverso da farsa: as escoras dos edifícios, as
armações das árvores. Porém, poucos os que estariam entre os principais da
cidade para escutar, entre quatro paredes, suas palavras: Os senhores e eu sabemos que no dia em que existam flores e árvores
neste covil de bodes [...] nem os senhores nem eu teremos nada para fazer
aqui.[...] Então não preciso repetir o que já sabemos de sobra: que a minha
reeleição é melhor negócio para os
senhores do que para mim porque eu estou até aqui de águas podres e suor de
índios e, ao contrário, os senhores vivem disso.

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