Descobrir Continentes é tão
fácil como esbarrar com um elefante: / Poeta é o que descobre uma moedinha
perdida...
Mario Quintana. “Do Caderno H”.
Desse descobrir motivos poéticos nas pequenas
coisas, Mário Quintana faz uma
profissão de fé no seu poema “Ah, sim, a velha poesia...” publicada em “Letras
e Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre, no dia 22 de fevereiro de
1982. Um assaz longo poema, o que não é
tão usual no poeta, em que ele relaciona o que acredita não ter importância
para os demais: o silêncios dos velhos
corredores / uma esquina / uma lua,
o
primeiro olhar daquela primeira namorada, os grilos, um lápis verde, um
retrato amarelecido um velho ovo de
costura e que ele entrega à Poesia.
Singelezas que, no entanto, se
adensam quando lhe
atribuí ressalvas ( há muitas luas), funções ( o olhar ilumina a alma)
em sequências onde o tom prosaico dos primeiros versos é substituído por expressões
em que o pleonasmo ( muitas, muitas luas,
o primeiro olhar, a primeira namorada)
, o símile (iluminar a alma como uma
antiga luz de lamparina), a pontuação ( as interrogações, as reticências),
a hipérbole ( grilos aos milhões), a
presença de um interlocutor ( a quem se dirigem as perguntas), a metáfora (os grilos são os poetas mortos)
conduzem ao lirismo que irá se impor, sobretudo, quando o poeta torna a
enumerar o que, também, entrega à Poesia. Não mais o que pode resultar sem valor mas, já, agora, expressões da alma: todas
as lágrimas que o orgulho estancou na fonte,
ódio, sofrimentos, alegrias. E, novamente, se instala a linguagem da prosa¸introduzida
por uma conclusão, Pois bem, a dizer que a opção poética será feita como
que à revelia desses ingredientes que
a ensejam cujo resultado, no entanto – e
agora um retorno ao não lógico – terá eternamente
esse gosto de nunca e de sempre.
Presente
nos poemas “Do Caderno H” de 1982, temas como as moedas, um pequeno caminho, um
retrato sobre um móvel, o cais, a chuva noturna, um vento súbito, uma rua, se constituem, apenas travessia para traduzir certezas e
interrogações que o estar atento à passagem do tempo e ao binômio morte e vida,
e à vida com seus acertos e senões alimentam. Temas que perpassam nesse
amálgama de simplicidades tanto quanto se erigem em motivos indicadores de uma
profunda inquietação. Em “Numismática”, os versos falam de moedas: a de prata e
a de ouro mas, entre um verso e outro que as definem, significado da ambição. Na elegia ao
caminhozinho que desapareceu, diz que foi condenado não pela morte, mas pela
vida numa sugestão ao que a vida pode ter de cruel e incoerente; o retrato
sobre a cômoda, com suas tonalidades esmaecidas, com o sorriso do fotografado fixo no papel, em acorde com
o outonal da tarde e a tarde outoniça, recorda que nas cartas antigas também o amor amarelece. O cais que dá o título a um dos poemas, se
apresenta como um espaço do Além a sua espera, como o rosto de um novo amor. E
a chuva, revelada nas poças de água, a
provocar ânsias de liberdade e imagens
oníricas: a cidade lentamente está zarpando para um porto fantástico do Oriente.
E, o vento, que de repente, deixa a nu a orelha feminina, induzindo ao ciúme
que faz perguntar o que teria lhe dito ao ouvido. A rua, lembrada e na
emoção e na emoção lembrados esses
outros tempos já idos e o amigo que desapareceu.
Moedinhas
perdidas transformadas em ouro.

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