domingo, 31 de julho de 2005

Das pequenas coisas


       Descobrir Continentes é tão fácil como esbarrar com um elefante: / Poeta é o que descobre uma moedinha perdida...
Mario Quintana. “Do Caderno H”.  

 Desse descobrir motivos poéticos  nas pequenas  coisas,  Mário Quintana faz uma profissão de fé no seu poema “Ah, sim, a velha poesia...” publicada em “Letras e Livros” do Correio do Povo de Porto Alegre, no dia 22 de fevereiro de 1982.  Um assaz longo poema, o que não é tão usual no poeta, em que ele relaciona o que acredita não ter importância para os demais: o silêncios dos velhos corredores / uma esquina / uma lua, o  primeiro olhar daquela primeira namorada, os grilos, um lápis verde, um retrato amarelecido um velho ovo de costura  e que ele entrega à Poesia. Singelezas que, no entanto,  se adensam  quando  lhe  atribuí ressalvas ( há muitas luas), funções ( o olhar ilumina a alma) em sequências onde o tom prosaico dos primeiros versos é substituído por expressões em que o pleonasmo ( muitas, muitas luas, o primeiro olhar, a primeira namorada) , o símile (iluminar a alma como uma antiga luz de lamparina), a pontuação ( as interrogações, as reticências), a hipérbole ( grilos aos milhões), a presença de um interlocutor ( a quem se dirigem as perguntas), a metáfora (os grilos são os poetas mortos) conduzem ao lirismo que irá se impor, sobretudo, quando o poeta torna a enumerar o que, também, entrega à Poesia. Não mais o que pode resultar  sem valor mas, já, agora, expressões da alma:  todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte, ódio, sofrimentos, alegrias. E, novamente, se instala a linguagem da prosa¸introduzida por uma conclusão, Pois bem,  a dizer que a opção poética será feita como que à revelia desses ingredientes que a ensejam  cujo resultado, no entanto – e agora um retorno ao não lógico – terá eternamente esse gosto de nunca e de sempre. 

            Presente nos poemas “Do Caderno H” de 1982, temas como as moedas, um pequeno caminho, um retrato sobre um móvel, o cais, a chuva noturna,  um vento súbito,  uma rua, se constituem,  apenas travessia para traduzir certezas e interrogações que o estar atento à passagem do tempo e ao binômio morte e vida, e à vida com seus acertos e senões alimentam. Temas que perpassam nesse amálgama de simplicidades tanto quanto se erigem em motivos indicadores de uma profunda inquietação. Em “Numismática”, os versos falam de moedas: a de prata e a de ouro mas, entre um verso e outro que as definem,  significado da ambição. Na elegia ao caminhozinho que desapareceu, diz que foi condenado não pela morte, mas pela vida numa sugestão ao que a vida pode ter de cruel e incoerente; o retrato sobre a cômoda, com suas tonalidades esmaecidas, com o sorriso   do fotografado fixo no papel, em acorde com o outonal da tarde e a tarde  outoniça, recorda que nas cartas antigas também o amor amarelece.  O cais que dá o título a um dos poemas, se apresenta como um espaço do Além a sua espera, como o rosto de um novo amor. E a chuva,  revelada nas poças de água, a provocar ânsias de liberdade e  imagens oníricas: a cidade lentamente está zarpando para um porto fantástico do Oriente. E, o vento, que de repente, deixa a nu a orelha feminina, induzindo ao ciúme que faz perguntar o que teria lhe dito ao ouvido. A rua, lembrada e na emoção  e na emoção lembrados esses outros tempos já idos e o amigo que desapareceu.

            Moedinhas perdidas transformadas em ouro.

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