domingo, 10 de julho de 2005

Por estradas e ondas


             Pontilham o texto expressões do jargão surfista, inevitáveis no relato de quem andou à procura das  ondas  perdidas da América. Mas, embora incompreensíveis para os não iniciados,  elas muito pouco interferem – breves parênteses – no ritmo narrativo de Alma Panamericana: uma aventura de 25 mil km por 14 países ( São Paulo, Gaia, 2005).  

            De Huntington Beach, nos Estados Unidos, Adrian Kojin partiu na sua Honda XL600, com a prancha de surfista convicto, seguindo a costa do Pacífico: México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador, Peru. E Chile, de onde, atravessando um longo túnel chegou, já em companhia da mulher, à Argentina e, de barco, atravessando o Rio da Prata, ao Uruguai e então, pelo Chuí, ao Brasil. Meses se haviam passado numa viagem sempre marcada pelo inesperado e que é contada por alguém não somente talentoso  para a escrita (  como a sua opção por um curso de jornalismo, ainda que abandonado no segundo ano, poderia levar a prever), mas, principalmente, possuidor de uma sensibilidade que lhe permitiu captar muitas das múltiplas nuanças do  mundo que, então,  se lhe deparava. Surfista a escrever sobre o surfe, ao combinar  anotações de seu diário de viagem com as que fizera, aleatoriamente num caderno, preenchendo as possíveis lacunas com as lembranças de fatos e de sensações que lhe ficaram, no seu texto, se encontra muito mais do que um registro de suas peripécias nos caminhos desconhecidos ou das emoções vividas entre as ondas. Testemunha sobre momentos de amizade e atos solidários; sobre a beleza do Continente; sobre uma beleza fugaz que se dissipa.

            Pequenas descrições  dizem dessa América entrevista na sua gente,  nos seus campos, nos seus pássaros, numa paisagem urbana, nos efêmeros efeitos de luz. São os descendentes dos incas a ordenhar as vacas, a alimentar a criação; as mulheres maias a tecer fascinantes vestimentas coloridas; os negros costarriquenhos a caminhar pelas ruas de cabeça erguida, orgulhosos. São os campos de aveia, cevada, trigo, milho, batatas, hortaliças. Um vale coberto de cana, de algodão, arroz e milho e um outro, florescendo milagroso. Lavouras em terrenos irrigados a formar um bem cuidado tapete verde. Gado e cavalos. Ovelhas, pastando, cuidadas por pastores. E rios, corredeiras, cascatas, árvores centenárias quase da altura do céu. Nos pampas, olivais e vinhedo e pastagens. O mais belo gado, os mais belos cavalos. Águias de garras afiadas. Cegonhas de longas asas. Ninhos nas árvores. Patos, garças e mergulhões nos charcos. Em São Salvador,  é a visão de pelicanos a voar  alinhados em formato triangular simétrico rumo ao sul; no Canal do Panamá, onde a sua entrada, enormes navios esperavam para passar de um oceano ao outro,  é a de milhares de pássaros marinhos revoando  sobre as águas. Das cidades, a lembrança de León, na Nicarágua, com suas igrejas e velhas construções  e o encanto das casinhas coloniais  com  teto de telhas avermelhadas; e de Arequipa, no Peru, toda branca, como que a repousar no esplendoroso valedo vulcão Misti.

            Entremeadas ao que descreve,  breves seqüências revelam suas emoções. A de contemplar, numa praia deserta, as estrelas cadentes que deixavam um rastro de luz no céu e corriam em todos os sentidos, às vezes ao mesmo tempo: a de se sentir no meio das ondas, cavernas infinitas, transparências, sagradas;  a de ver o sol tingindo a água de dourado, e a luz nascer laranja, inteira do ventre das palmeiras para iluminar toda a poesia de uma choça abandonada.

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