domingo, 3 de julho de 2005

Brasil: o agir transitório

       Chama a atenção de um dos generais, destacado para combater a Guerrilha do Araguaia a escolha da região: Vegetação densa, grandes árvores, copas fechadas e cipós entrelaçados impedem a visibilidade, mesmo do alto, a bordo de aviões e helicópteros. Abrigo natural. No entanto, ao estudar a área, se dá conta de que outros  são os motivos  predominantes dessa escolha: grande parte da população é analfabeta, a  água não é tratada e os moradores padecem de verminose e em muitos casos de hanseníase. 
             Operação Araguaia: os arquivos secretos da  guerrilha ( São Paulo, Geração Editorial, 2005),  minuciosamente,  refaz o  itinerário dos militantes que se internaram na Floresta Amazônica, entre 1972 e 1976, seguindo  o sonho, que acreditavam  ser possível: mudar o destino dos brasileiros. Ao longo de suas  656 páginas, Taís Morais e Eumano Silva, num excepcional trabalho de pesquisa jornalística, relatam, entre  histórias de vida - com seus aprendizados diante da solidariedade e das vitórias, das traições e das derrotas -  as ações guerrilheiras e as operações militares que tinham por objetivo interceptá-las. Mostram, também, repetindo-se e tornando a repetir, a realidade de um país totalmente desconhecido dos brasileiros  que, no entanto, se revela   igual àquele em que eles vivem : sempre o descaso pela população, entregue à miséria, à doença, à falta de condições de trabalho; sempre a lei do mais forte, imperando, ajudada pelas autoridades que deviam cercear-lhes as ações predatórias e, por vezes, criminosas. Sempre a corrupção.

            Os militantes do Araguaia tentavam ajudar essa população esquecida que aí vivia, procurando fazê-los entender que  uma transformação  seria possível.

            Para neutralizar esse trabalho de aproximação do militantes com os moradores e, por sua vez, para coaptá-los,  para mascarar a sua inusitada presença, os militares, em missão no Araguaia, criaram a Aciso ( Ações cívico-sociais) e a realizaram esporadicamente

            Durante a Operação Papagaio, em Xambioá e Araguatim,  por exemplo,  grupos de médicos, dentistas, pedagogos, agrônomos, veterinários, percorreram a zona rural e um grande número de pessoas recebeu atendimento. Palestras, gincanas, competições esportivas, ações cívicas,  completaram a programação desenvolvida entre 21  e 28 de setembro de 1972, numa tentativa das Forças Armadas,  de  fazer em oito dias os que os  governos nunca fizeram pela população do Araguaia .Diante do elevado número de pessoas atendidas, demonstrando quanto os habitantes da região eram privados dos mais elementares serviços e, não somente na área da Saúde e da Educação,  os militares responsáveis pela sua realização, no entanto, não se iludiram. No parecer final de seu relatório, o coronel, sob cuja égide essa Aciso se realizou, diz que o atendimento médico e odontológico possível em uma Operação Aciso, de curta duração, serve, apenas, de paliativo face às precárias condições da população assistida.

            Num outro  relatório, onde ficaram registradas as ações contra os militantes, o general que o assina, após analisar  os quesito militares pertinentes, se detém em vários aspectos da região: a dificuldade de comunicação, a ausência da atuação dos governos locais, os aspectos econômicos. Sugere que sejam tomadas várias providências no sentido de oferecer melhorias de vida a uma população absolutamente carente de todos os seus direitos

            Mas, originada de intenções bem precisas e, coerente com elas, a Aciso deixou de ter sentido quando o confronto entre soldados do Exército e militantes, na região,  chegou ao fim. E a população do Araguaia, novamente entregue a si mesma,  voltou a ser ignorada como sempre fora. 

 

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