Em
1981, Índio Brum Vargas publicou Guerra é guerra, Dizia o torturador (Rio de Janeiro, Codecri),
testemunho das torturas e da prisão que
sofreu durante a ditadura militar, instaurada no país, em 1964. Agora, em junho passado, acaba de ser
lançado pela AGE de Porto Alegre, seu novo livro,A Guerrilheira: mistério e
mortes na Ilha do Presídio um relato que retoma a sua vivência, no cárcere,
como prisioneiro político, a partir de um plano de fuga, imaginado por ele e dois companheiros que
entre os quarenta e seis que ali penavam não estavam dispostos a aguardar um
julgamento militar e para quem a liberdade significava poder prosseguir a
luta contra a ditadura. O plano era render a guarda e tomar a ilha
para o que seria preciso ou subornar ou coaptar um carcereiro e, ainda ter
alguém que levasse para dentro da prisão uma arma.Tarefa pedida a Tânia, universitária extremamente audaciosa, militante de uma organização de esquerda;
seria ajudada por Solano, soldado da
Polícia Militar que, semanalmente dava guarda na Ilha do Presídio onde foram
apresentados um ao outro, num domingo, dia de visita aos presos. Excetuando-se
o capítulo IV em que Índio Brum Vargas se detém sobre as condições sub-humanas em que viviam os presos comuns,
retirados da Ilha do Presídio para dar lugar aos presos políticos e dos
capítulos V a XI, parênteses, uma história dentro da história assim
o considera o autor, cujo fim é explicar os túmulos ali existentes , A
Guerrilheira se constrói em dois
espaços:a cadeia da Ilha do Presídio e a cidade.
Fortificação
construída em meados do século XIX para ser depósito de munição do exército,
daí o seu nome, Ilha da Pólvora, será
transformada em prisão e, a partir de abril de 1970, em prisão política.
Situada no meio do rio, entre Porto Alegre e Guaíba, tem paredes de pedra de mais de um metro de espessura e um único portão. Dela, o autor faz uma cuidadosa descrição que mostra quão difícil seria realizar o que
pretendiam tanto quanto esconder a metralhadora que, desmontada e em partes devia lhes chegar às mãos. Da
cidade, após o primeiro contato entre
Tânia e Solano, na livraria Sulina,
apenas a menção a seus logradouros: Rua da Praia, Avenida Borges de
Medeiros, Praça Júlio de Castilhos,
Viaduto Otávio Rocha. Itinerários bem definidos de encontros que, embora conduzidos pelas normas de segurança que
orientam militantes políticos e com
objetivos bem precisos, irão, revelar
também, nos diálogos e nas confidências, as inquietações e as dúvidas dos que
devem levar adiante a missão de risco que lhes foi confiada.
Por
um momento, a narrativa se fixa em Solano, na sua emoção diante da feminilidade
da estudante que, atenta as suas tarefas dessa emoção procura se esquivar ou , talvez,
apenas a perceba; um outro, igualmente, na impressão que a sua beleza causa num
companheiro de militância. Mais demoradamente, se detém na insegurança, no
medo, na angústia, na solidão de Tânia ao receber, em código, um aviso de que
deve evitar qualquer contato com Solano; depois, na ansiedade que a acomete, ao
ser incumbida de uma tarefa difícil e
perigosa, da qual dependerá a liberdade de quatro pessoas.
Abrupto,
o ponto final do relato, quando se
encerra o destino da guerrilheira, conduzida pela coragem, pela
a ilusão, pelo
desprendimento ao interrogatório, à tortura, à sevícia, à
morte: inglório sofrimento ao qual se
acresce a imensa dor dos que ficaram à espera – Mãe, eu venho passar o Natal contigo. - de um retorno que jamais aconteceu. Tânia
nunca mais foi vista.
Entre o que
viveu e sentiu na Ilha do Presídio e o
que se permitiu imaginar no centro da cidade, Indio Brum Vargas em A Guerrilheira refaz caminhos que, embora,
sejam feitos, ainda, de zonas de
sombra, devem ser palmilhados. Como em Guerra
é guerra. Dizia o torturador, em epígrafe, as palavras de Victor de Britto
Velho, seu professor de Filosofia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul:
Ai de nós se esquecermos do que aconteceu em nossa própria
casa.

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