domingo, 17 de julho de 2005

A ameaça


            A capa não somente é  harmoniosa e instigante  mas, a síntese do livro: foto de Machu Pichu, de palmeiras, de ondas do mar, de um detalhe da vida do Continente na placa de um carro onde além do número da matrícula aparece a expressão “Nicarágua libre”,  num muro em que bandeiras e frases pintadas – Trabajar avanzar combatir vencer, En la montaña enterraremos el corazón del enimigo-  expressam anseios. E a de um homem jovem, na sua moto equipada para viagem e carregando, também,  uma prancha de surfe. Em letras pequenas, inusual modéstia, o nome do autor, Adrian Kojin. Nos dados de Catalogação de  Alma panamericana: uma aventura de 25 mil Km por 14 países, a constar que se trata de aventuras e viagens, a ausência de um assunto, o surfe, que é uma das razões e não a menor, da viagem iniciada em outubro de 1987, no sul da costa oeste dos Estados Unidos.  

            Adrian Kojin pretendia, seguindo a costa do Pacífico, no Chile, atravessar os Andes, percorrer os pampas, chegar até Buenos Aires, logo, Montevidéu e, enfim, o Brasil. No relato que fez da viagem que, tanto no que se refere às pessoas com as quais se relacionou quanto às diferentes paisagens que se ofereceram a seus olhos, não foi avara de surpresas ele foi além de fixar o pitoresco ou a grandiosidade da natureza. O prazer de percorrer as estradas do Continente e de surfar em ondas já famosas ou que então descobriu, se enriquece com as breves cenas que vislumbra num aflorar de emoções: a velhinha, de cabelos brancos,   vencendo o medo, para atravessar uma  pequena ponte que treme quando os carros passam. A outra, humilde, vestida de negro e ajoelhada em frente ao altar  no interior de uma igreja, a erguer a voz para entoar um hino religioso, intensamente belo e profundamente espiritual .

            Emoções que, também,  podem ser dolorosas na indignação diante da violência que presencia. Despertado no meio da noite por um choro de mulher, entreabre a porta de seu quarto de hotel:    um sujeito fardado, levando nas costas, uma moça que se debatia e chorava em desespero o que, não provocou reação alguma  nem  mereceu, na manhã seguinte, qualquer comentário. Noutra cidade, presencia o espancamento de um menino de rua pelos guardas particulares de um prédio que o arrastam , passando diante de um grupo de pessoas bem vestidas que assistia impassível à cena,  enquanto a criança  ensangüentada pedia socorro. Cenas que, certamente são um lugar comum no Continente  tanto quanto as pragas da maioria dos países do terceiro mundo, como a falta de empregos, os baixos salários e um sistema educacional falido [...]. Além delas, Adrian Kojin constata essa outra: a admiração  sem limite de uma certa classe pelos que vivem ao norte do rio Bravo que se expressa no entusiasmo pelos seus filmes, pelos carros que fabricam, pelas roupas e, principalmente no esforço despendido em imitá-los, seja nas conversas ou maneira de agir. No entanto, é sabido, o quanto estão distantes dessa realidade que buscam imitar sem perceber o papel que lhes competiria para mitigar, no seu próprio meio,  as injustiças que dominam, soberanas, nas relações de classes.

            Numa feira,  na Guatemala,  onde os índios trocavam e vendiam seus produtos, Adrian Kojin pode ver um Porsche último modelo sumir nas curvas da estrada. Na Colômbia, em meio às riquezas dos plantios e das pastagens, povoadas de gado gordo e cavalos de  raça,  camponeses curvados sobre a terra e fazendeiros em vistosas caminhonetes.  

            Numa praia do México, Adrian Kojin surfa solitário. Aparecem golfinhos, uma foca. A água é transparente. Então, lhe parece incrível que apenas 400 quilômetros ao norte existissem usinas nucleares, soldados mariners em permanente treinamento para a guerra, caças supersônicos dando rasantes e poços de petróleo no meio da praia. 

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