São dores
antigas de uma guerra que destruiu o
país e que persistentes, levam Félix Moral, personagem narrador de El
Fiscal, romance de Augusto Roa
Bastos publicado em Buenos Aires, pela Sudamericana, em 1993, a exclamar: O Paraguai tem bastante experiência com os
macacos brasileiros há mais de
trezentos anos. Em Paris, seu amigo francês que lhe mostrara o convite para
uma grande congresso que seria realizado em Assunção, chama a sua atenção para um ato, entre muitos
outros, que também faria parte do programa: a entrega de casas, implementos
agrícolas e generosos créditos para imigrantes de países europeus orientais e
asiáticos que desejassem se estabelecer no país. Félix Moral ainda que no
exílio, não desconhece a situação de sua pátria, submissa, há anos, à vontade de um ditador e argumenta que existem mais de cem mil camponeses sem
terra e outros tantos mil indígenas que são metralhados quando invadem os
imensos latifúndios vazios em
poder dos que defendem o regime. E, sem
levar em consideração a resposta de seu interlocutor, para quem a defesa da propriedade é sagrada, acrescenta que as colônias brasileiras no
norte da região oeste de seu país, estabeleceram um novo estado em pleno território
paraguaio. Uma invasão pacífica com
leis, autoridades, moeda e língua, novos
bandeirantes que avança na direção da capital e vai estender seus domínio
por todo o pais. A resposta, em tom metálico, o aconselha a deixar os
macacos nos seu lugar, pois ninguém pode com o direito do mais forte. E os
mais fortes, no caso, são aqueles que usufruem do beneplácito de um governante-
tirano, sabidamente, adicto e confesso, admirador do Brasil que, por sua vez, o irá receber, dando-lhe honras de estado
quando uma insurreição militar o obriga
a sair de seu país.
Mas, igualmente, ninguém pode contra a força
da herança do passado. Ainda no Paraguai, antes de seu exílio, Félix Moral
trabalhou no roteiro de um filme sobre
Solano López. Nesse reaproximar-se da História de seu país, se depara com os terríveis momentos em que o
Marechal foi ferido pelo golpe de lança
do corneta brasileiro, ultimado com um tiro nas costas e, então, mutilado e
vilipendiado, preso numa cruz de galhos; igualmente, com aqueles que
antecederam a sua morte e com os que se
lhe seguiram , regidos pela embriaguez
da vitória.
Relata
que na retirada que Solano López empreendeu e quis converter numa guerra de resistência, em cada alto que
fazia, no silêncio da noite, se ouvia um enlutado tambor que nenhuma patrulha conseguia calar e que, sob as batidas de um tocador
ubíquo, se fazia ouvir cada vez mais
forte e melhor. E, assim, até a
morte de Solano López quando entrou com os invasores em Cerro Corá para
retumbar “entre os gritos de júbilo de
quinze mil gargantas e as salvas de vitória.
Depois,
o desfile militar dos vencedores: os
chefes e oficiais do Império em traje de gala, rutilantes os peitos de condecorações sob o sol de fogo e no
silêncio de morte, dominando o acampamento, imobilizada, a soldadesca de negros macacos brasileiros
.
E o Paraguai, botim de guerra das tropas brasileiras por mais
sete anos, curvando-se diante das ordens do império que determinavam fosse
mantido o domínio militar e político
sobre os vencidos. E os vencidos,
lutando pela sobrevivência num país devastado e miserável, eram os inválidos e as crianças. Para
conseguir-lhes um pouco de alimento as mulheres
se submetiam à venda de seu corpo. O preço para os estrangeiros que
ocupavam o pais era módico: duas
bolachas, um pouco de sal e de açúcar
e uma tira de charque.

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