domingo, 19 de junho de 2005

Brasil: o olhar dos outros


            O ano de 2005 é o ano oficial do Brasil na França. Em meio a  exposições, filmes, conferências, espetáculos de música,  dança e teatro, o momento é, excepcionalmente, oportuno para o lançamento, pela Gallimard (Paris) de La Salamandre, um romance ambientado no Recife. Embora a capa do livro reproduza um detalhe de “ O Mestiço” de Cândido Portinari com a figura masculina de um  jovem negro, dominando o espaço, a permitir, apenas, a visão distante de um pedaço de céu azul, de duas bananeiras, do quadrado singelo de uma construção e do alinhamento de uma plantação, a narrativa se fixa, sempre,  na personagem feminina. Francesa, chega ao Brasil em novembro para passar um mês de férias. Como reage nos primeiros dias, como se porta ao viver uma aventura amorosa com um jovem mulato, como se deixa destruir  lhe traçam um perfil de mulher que, segundo a Editora, permitirá conhecer uma outra faceta de Jean-Christophe Rufin.

            Autor de ensaios sobre o Terceiro Mundo (Le piège humanitaire, L’empire et les nouveaux barbares, La dictature libérale, L’aventure humanitaire) e de seis romances, entre os quais Rouge Brésil, Prix Goncourt 2001, em La Salamandre, inserindo-se na trama novelesca, o testemunho de sua vivência no Brasil onde viveu muitos anos, médico do movimento humanitário sem fronteiras do qual foi um dos pioneiros.

            Pelos olhos de sua personagem, o cenário tropical, sonho e paraíso, se oferece nas efêmeras cores do mar, (tom de ardósia e de espuma, verde pálido  muito doce) ou das plantações de cana de açúcar (imensas ondas da cor do absinto). Depois, também no contraste urbano dos arranha-céus da orla marítima com as construções menores, casas baixas, por vezes, feitas apenas de tábuas juntas ou pedaços de papelão. Também, no recurso   algo ingênuo de remeter  à cor local: referência à caipirinha , tão do agrado dos turistas,  da qual não é dito o nome mas, sim do que é feita e então, definida como uma bebida doce na garganta como uma calda mas que ferve nas veias e devora a cabeça;  menção ao forró, ao frevo, à capoeira, palavras grafadas em português e em itálico,  assim como uma ou outra frase  da qual a tradução aparece em pé de página . Se ao forró apenas  se refere, o trevo é  explicado como sendo  a música reservada para o carnaval , mistura de melodias da  Europa Central,  sonoridades ibéricas, ritmos negros  da qual os pernambucanos reivindicam a invenção; e à  capoeira, como  dança combate que exige mais do que destreza, uma disciplina e uma fé.  Povoando o cenário, os delinqüentes, dando ensejo a um personagem dizer, com um sorriso do qual não estavam ausente nem a reflexão nem o desprezo: É o Brasil. Cirurgiões formados com as últimas técnicas e tipos na rua que matariam um cego por dez dólares”. E, uma gente sofrida: mulheres carregadas de filhos, homens desdentados, os que, para trabalhar,  saem, cedo, da favela. A favela, onde os ratos correm pelo chão e aparecem, à noite, para devorar recém nascidos e de onde saem, para as ruas da cidade, os bandos de crianças seminuas, de cinco ou seis anos, a viver  de esmolas e de roubos, submissas à autoridade das  crianças maiores se empenhando, sem esperança,  em lutar pela vida sem que lhes seja adjudicada qualquer possibilidade de vitória.

                       

         A palavra favela aparece grafada em português, porém não em itálico. Não é traduzida, tampouco explicada o que leva a crer já seja conhecida de alguns franceses como, talvez o sejam outras tantas situações de miséria do país.

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