Félix
Moral vive exilado na França onde foi salvo das terríveis seqüelas das torturas
a que foi submetido no seu país por Jimena Tarsis com quem passa a viver.
Circunstâncias incomuns, a realização de um Congresso Internacional sobre
“História, cultura e sociedade na América Latina” na capital do Paraguai, o levam à inabalável decisão de retornar a sua
pátria, acreditando que terá condições propícias para matar o tirano que há
anos se mantém no poder. Na viagem, continua a escrever o diário que iniciou
algum tempo antes e que pretende seja
lido por Jimena quando ele não mais existir.
A
segunda parte de El
Fiscal, romance de Augusto Roa Bastos, publicado em 1993, pela Sudamericana
de Buenos Aires, tem início com a
informação de que dentro de vinte minutos ele
irá chegar a Assuncão. Porém,
desde os nove mil metros de atitude até o momento em que o avião começa a
descer, não lhe foi possível vislumbrar
nem o céu, nem a terra, só uma imensidão sem cor, efeito que
presume se deva à selvagem destruição dos oitocentos mil hectares de selvas
virgens para a construção da hidroelétrica.
Pouco
antes, o comandante anunciava estarem
prestes a atravessar a fronteira Brasil/Paraguai e que, em poucos minutos, iriam sobrevoar a área central da
hidroelétrica. A maior do mundo, ele precisa,
acrescentando serem as represas do Niágara ou de Assuán pequenos charcos diante desse
lago de dez mil quilômetros quadrados. E continua, repetindo com a voz cheia
de nacional orgulho a fastidiosa enumeração de turbinas e potências que nenhum
passageiro entende mas que aplaude,
premiando o seu fervor nacionalista
a guiar, ainda, a apologia desmedida que deixa algo
irônicos e incrédulos parte dos convidados, passageiros desse vôo: A luz da central de Itaipu
alumia mais do que o sol, mas não se apaga como o sol, ao cair da noite. O céu
noturno e o céu diurno deixaram de serem vistos no Paraguai. Não se vêem mais, o sol, a lua nem as
estrelas....Continuam existindo talvez, mas nem fazem falta...A luz que nunca
se apaga de Itaipu ilumina o Paraguai num dia perpétuo como o poder do Grande
Reconstrutor....
Depois,
foi a aterrissagem brusca, a poucos metros
da torre, a invasão de homens armados em meio à desordem provocada pelo medo, o
assassinato de um dos passageiros, a instalação no hotel luxuoso. E a caminhada
noturna pelas aforas da cidade quando de
repente um curto circuito faz desaparecer a luz turva e vermelha que reinava,
deixando a noite irromper, esplendorosa, no alto,
adornada de astros, o arco da lua, cravado no azul do céu. Logo, a luz
fictícia turva e avermelhada volta
a reinar. A imensidão azul e cheia de estrelas, o quarto minguante
da lua desaparecem escondidas por uma luz que não era nem do dia, nem
da noite. Pelo caminho de terra, entre o capim, Félix Moral se dá conta das partículas
macias e olorosas como gotas de chuva intermitente que lhe cobrem o
rosto e os ombros. Indaga do menino,
guia dessa excursão noturna, que
explica serem sementes das selvas do Alto Paraná: Para construir a represa tiveram
que derrubar a selva. Cortaram milhões de hectares. Já não há mais mato virgem.
Esses brotos de fetos e de outras espécies de árvores escapam da mortandade da
madeira. Escapam e voam com os ventos do este e do norte em busca das terras
que perderam. Mas não tem memórias. Voam a cegas. O vento os leva para qualquer
lugar.
E teimosos, esses brotos renascem onde encontram uma terra
boa.

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