domingo, 7 de agosto de 2005

Para além das imagens


             Num breve e denso artigo, “A recepção literária de Neruda em Portugal”, Manuel G. Simões historia a presença de Pablo Neruda em Portugal, desde 1946, possivelmente o ano em que, pela primeira vez, um poema seu, “Farewel”, traduzido por Jorge Emilio, aparece na Antologia Confronto, até 2004 quando alguns textos registram, sobretudo, o centenário de seu nascimento. Na verdade, uma presença que  só tardiamente irá se enriquecer o que, sem dúvida,  nada tem a ver com a qualidade da obra mas com as orientações ideológicas que determinaram as edições portuguesas e as importações de livros durante os muitos anos da ditadura fascista em Portugal. A esse cuidadoso estudo que reúne valiosas informações sobre as relações de poetas portugueses com Pablo Neruda  e sobre seus livros publicados em Portugal, sobretudo ns últimas décadas, seguem -se a tradução de “A lâmpada marinha” e de “Saudade” feitas por Manuel G. Simões, a lista das principais edições em Portugal das obras do poeta chileno, compreendidas entre 1969 e 2004, um estudo de Eugênio Lisboa, “Pablo Neruda e o Livro”. E  a antologia organizada por Cristino Cortes,  sob a rubrica “Neruda, cem anos  depois” que, também,  dá o título à obra, publicada em 2004, pela Universitária Editora, de Lisboa. Os setenta e sete poetas portugueses que dela fazem parte, na sua maioria nascidos nas décadas de 20,30 e 40,  homenageiam não apenas o homem comprometido com as causas sociais e a sua voz que é, também a voz  de um homem amoroso mas, a beleza e o fascínio de sua expressão.

Entre os poemas, “Seis fotografias de Pablo Neruda”, de Nicolau Baião, surpreende pelo inusitado ao descrever, aparentemente em prosa,  fotos do Poeta. São frases curtas  que, em seis tempos, traçam uma biografia feita de emoções presumidas por aquele que tem diante de si as fotos que imagina. Assim, embora haja um registro de tempo ( o Poeta aos três anos e aos seis, já adolescente, aos vinte e três anos, depois, adulto), e de espaço ( sala de aula, uma praça de Santiago, uma sala),  e a menção às pessoas com as quais ele está ou que o rodeiam ( o pai, o professor, uma jovem colega, os passantes, César Vallejo), e a um detalhe de seu traje (veste uma camisa branca de pregas) ou de seu cabelo (o cabelo é um pouco revolto, como se lhe tivesse dado um brisa indiscreta e prazenteira)  a comporem a imagem, o que Nicolau Saião quer fixar é o sentir do Poeta na sua relação com o mundo. Um  sentir vislumbrando no olhar ou num gesto, numa expressão. Na “Primeira foto”, a  expressão ansiosa do menino de três anos, sua mão como que “enclavinhada na fímbria do casaco de seu progenitor. Nas demais, presentes, no olhar, o susto, algo de inquietação, serenidade e decisão. Já adulto, mostra no rosto uma ricto intraduzível, um claro sofrimento.  Como o narrador ficcional que tudo conhece de seu personagem, Nicolau Saião ou sabe ou presume saber mais do que a foto deixa ver. Então, os limites da realidade e da invenção se esbatem. Há nomes de pessoas, de lugares e de livros; há suposições e dados improváveis nas afirmações desse falante, presente no texto, que se deixa ver na autoridade de uma primeira pessoa do plural ( podemos imaginar), e no ater-se ao que, em princípio, pode ser do conhecimento de todos ( entende-se, percebe-se)   ou ao que ninguém ignora (é sabido)  para, nessa cumplicidade, delinear o poeta chileno, menos na sua imagem do que nos seus momentos vividos.  E’quando se mostra irrelevante rastrear o falso e o  verdadeiro nesse dizer poético de Nicolau Baião.

 

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