domingo, 29 de maio de 2005

Em algum lugar da Amazônia


               Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha de Tais Morais e Eumano Silva (São Paulo, Geração, 2005), conta dessas palavras que nasceram em algum lugar da Amazônia. Dispostos  a enfrentar fome, cansaço, ferimentos, doenças, prisão, tortura e morte em nome da liberdade,  quatro guerrilheiros escrevem, no dia 20 de junho de 1972, para dom Estevão Cardoso de Avelar, bispo de Marabá. Reconhecendo-se combatentes,  o elogiam pelas graves denúncias que fez na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,  contra os militares em operação no Araguaia, às margens do qual eles fazem parte do destacamento A. De um lugar das matas amazônicas, a convicção que os move não lhes permite duvidar de que as causas justas, mais dias, menos dia, triunfam.  No entanto, seus meios para lutar contra a ditadura e levar ao poder um governo em acorde com os interesses dos brasileiros, eram por demais incipientes. Se muitos guerrilheiros conheciam a região, sabiam se orientar pelos astros e pela bússola; se recebiam treinamento quanto à prática de acampar e de fazer caminhadas diurnas e noturnas e quanto aos meios de sobreviver na selva; se adquiriram condições de realizar emboscadas e assaltos aos inimigos e de usar armas, suas deficiências eram importantes e numerosas.  As precárias condições de higiene em que viviam e  os obstáculos para  conseguir produtos básicos,  lhes ocasionavam problemas de saúde: as poucas armas  de que dispunham eram obsoletas e careciam de munição suficiente;  o equipamento composto de  mochilas de couro ou lona que, muitas vezes, eles próprios faziam,  onde carregavam alimentos e remédios e armas  o que, em princípio, deveria ser suficiente para a vida na floresta, muitas vezes, se perdiam nas fugas precipitadas quando deixavam para trás os seus parcos pertences.  Em contrapartida, os soldados do Exército cuja missão era a de fazê-los prisioneiros ou matá-los, embora no início das operações  também tivessem  enfrentado dificuldades, contaram com   planejamento e com recursos. Assim, o confronto entre guerrilheiros e militares se deu  em condições  profundamente desiguais. 

            Em setembro de 1972, a Operação Papagaio contou com mais de três mil homens , transportados, assim como cinqüenta e sete toneladas de alimento,  em veículos cuja fila se estendia por centenas de quilômetros. Nos pontos de apoio, montados pelo Grupamento Logístico, os soldados tinham local para pernoite, jantar quente, café da manhã e merenda fria para o almoço.

            No território em que se movimentavam militantes e soldados do Exército,  a população ribeirinha, aquela aglomerada em pobres núcleos urbanos ou espalhada pelas paragens distantes continuava a sofrer com a escassez de alimentos,   com a malária e a leishmaniose, com a falta de remédios e de estrutura hospitalar; continuava a se submeter às violências e aos desmandos dos grandes proprietários e das autoridades.

            A gente sofrida do Araguaia precisa encontrar o caminho para reclamar os direitos, diz uma  carta do Comando das Forças Guerrilheiras do Araguaia, em junho de 1972, escrita De um recanto da selva amazônica, sul do Pará. A mensagem,  dirigida ao povo brasileiro , revela a existência de sonhos de um país melhor que os militantes, caçados pelos soldados do Exército,  procuravam tornar realidade, optando por uma luta cuja verdadeira dimensão ignoravam.

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