domingo, 22 de maio de 2005

Histórias de vida


            Operação Araguaia:os arquivos secretos da guerrilha  que a Geração Editorial de São Paulo acaba de publicar, neste mês de abril, é uma obra imprescindível como todas as que se dispõem contar o que a História oficial tenta escamotear, esconder ou negar. Com base em documentos produzidos por integrantes das Forças Armadas e guerrilheiros, entrevistas com moradores da região, sobreviventes da luta e familiares, coletados por Taís Morais e analisados, juntamente com Eumano Silva, num trabalho de três anos,  é uma obra que, além da importância dos documentos que apresenta e dos fatos que relata, tem a qualidade da clareza que, inclusive, se mostra, também, no índice remissivo, de extrema importância em textos que se constituirão, um valioso material de consulta. Igualmente, se constitui um comovente  testemunho sobre  a trajetória desses brasileiros que acreditaram ser possível mudar uma ordem estabelecida -  que tem se mostrado inexpugnável - e  daqueles que, parte do Exército,  foram mortos sem conhecerem as razões pelas quais perderam a vida.

            Jovens do interior do Brasil, oriundos de família numerosa que desejavam ajudar, lutando no seu próprio pais em campos opostos, José Maurílio Patrício e Ovídio França Gomes tiveram, ambos, seu destino selado em 1974.

            José Maurílio Patrício, nascido, em 1944,  num povoado do Espírito Santo, segundo filho dos sete de um casal nordestino, teve uma infância feliz .Desejava comprar uma Kombi para levar seus país e irmão passear em Sergipe onde estavam as raízes da família. Como estudante de Agronomia, o gosto de ler e de estudar o  aproximou do movimento estudantil e da  atuação política.  Em 1970, foi para o Araguaia e se integrou no Destacamento B,  recebendo o codinome de Manoel. Desaparecido em 1973, a Marinha registrou sua morte em 1974.

            Ovídio França Gomes era o mais velho de seus doze irmãos e o apego pela família fez com que desde cedo procurasse melhorar-lhes o padrão de vida o que foi possível graças a seu soldo  de soldado e, depois,  de cabo. Em fevereiro de 1974, se encontra nas selvas do Pará, parte de um pelotão de jovens inexperientes em ações de contraguerrilha. Ao fazer uma ronda com os demais companheiros, volta na frente. O soldado encarregado de fazer a comida e vigiar o acampamento,

não  reconhece o vulto que se aproxima e dispara. Ovídio morre aos vinte e seis anos, metralhado por engano.

            Entre os militantes guerrilheiros e os soldados do Exército, os habitantes da região. Muitos, prestavam ajuda desinteressada aos militantes, deixando de informar sua presença, atendendo pedidos para compra de alimentos, para cuidar da lavoura,  dos animais, para dar  comida ou um pouso.  Outros, talvez,  movidos por interesse pois o Exército oferecia dinheiro por informações,  auxiliavam  os militares ou guiando-os na mata, ou delatando ou entregando os militantes. Em maio de 1972,   guerrilheiros do Destacamento C   iriam passar pela casa de um camponês  que se dispusera a comprar um rolo de fumo. Um dos militantes que já o ajudara muitas vezes, o considerava um amigo  e isto  não era compartilhado pelos demais. Mesmo assim, Bérgson Gurjão Farias guiava o grupo até sua casa. Antes de chegar, uma rajada de metralhadora deixou seu corpo crivado de balas. Foi o primeiro militante morto no Araguaia.

            Miguel, um dos que conseguiu fugir da emboscada, diante de um novo perigo,  torna a fugir e sobrevive quatro dias, perambulando na selva. Ao avistar uma casa, se aproxima e, faminto,  esquece a precaução. Pede comida. Aquele a quem se dirigira  o observa, entra em casa e volta com um prato branco, aquele de estanho esmaltado, cheio de leite com farinha” Miguel  leva à boca a primeira colherada. Mas não a segunda pois a  bota de um soldado chuta o prato para longe.  

               

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