O caso
foi parar na Delegacia de Polícia e, depois, no Fórum de São Sepé. Designado
para defender o réu, acusado de bater na mulher, Afif Jorge Simões Filho, faz a
defesa em sete estrofes de cinco versos heptassílabos. Versos que teriam se
perdido se não fosse o interesse de seu filho em recuperá-los. Diz Afif Jorge
Simões Neto (Em nome do pai, Porto Alegre, Ed. do Autor, 2004) que isso
foi possível graças à memória do
desembargador aposentado José Ernesto Flesch Chaves, juiz de Direito, em São Sepé à época do processo
e a inclui no livro que reproduz textos em prosa e em verso de seu pai, e
aqueles que lhe traçam o perfil ou rememoram episódios de sua vida.
Com as rimas
no segundo e quinto e no terceiro e quarto versos, fugindo, portanto, ao
sistema de duas rimas, consagrado para a quintilha e com a acentuação na sétima
sílaba, o poema se estrutura, submisso, a uma narrativa linearmente circular:
tem começo na apresentação de um casal que se ama, prossegue relatando a
desavença entre eles instaurada e, logo, a reconciliação. Como um adendo, as
duas estrofes finais que se dirigem ao juiz, pregando prudência e a absolvição.
Perfeitos veículos de comicidade, os adjetivos briguenta e mandona
e antimusical, rotulando Helena e chato e birrento, designando
Assis que longe estão de falar de heróis. E os verbos, na combinação com um
sujeito inesperado (a vida que desafina tanto quanto Assis) ou com um objeto
composto por duas palavras que discrepam entre si quanto à ação do verbo (carrega gaita e marido / Ao distrito policial). E,
principalmente, a expressão posta em
sossego para dizer de Helena, remetendo ao verso camoniano, contido no
episódio mais lírico e trágico de Os Lusíadas, que, seguido de uma
prosaica informação (Deitada estava a
sestear), estabelece distância entre a personagem da epopéia e o simplório
desencontro familiar. Desencontro, na sua peculiar singeleza, entendido por
Afif Jorge Simões Filho, que fez dele, não apenas um motivo para a sua defesa
sui generis, mas, também, um precioso exercício poético em que os
heptassílabos, a lembrar as quadras populares e um ingênuo lirismo, se combinam
para a espontaneidade de versos cuja graça e beleza vicejam no
simples e no verdadeiro.
Ele reage e agride
Nos
sonetos de Afif Jorge Simões Filho, publicados em Menino submerso (Porto
Alegre, Martins Livreiro, 1983), entre os quais se encontram “Soneto ante a
Tapera de meus pais”, “Noturno 1,”
“Identidade” e “Marinha”, que lhe valeram o prêmio Apesul Revelação Literária,
em 1978, a nota dominante é a melancolia. Assim, esta defesa, como as outras
duas que fez em verso, surpreende ao revelar, inesperadamente, um poeta assaz
alegre e trocista.
Na
primeira estrofe, o nome de Helena e Assis, casal perfeito e feliz; também, a observação da experiência de vida, pois
que ela nem sempre está afinada. Na segunda estrofe, o momento que antecede a
briga: Helena dormia quando o marido começa a tocar a acordeona sem parar. Nas
estrofes que seguem, o relato de que nem a parte mais animada e bonita da
música comove Helena: tira de suas mãos o instrumento e lhe arranha o rosto.
Ele reage e bate na mulher que, então,
leva marido e instrumento para o distrito policial. Depois, a brabeza
passa e ela retira a queixa, argumentando: Que
uma gaita mal tocada / Não pode pôr fim à estrada / De um casamento feliz.
O poeta-advogado se permite, na penúltima estrofe, aconselhar o juiz, lembrando
a velha sabedoria popular que prega a não intromissão em briga de marido e
mulher. E acrescenta, ainda, na última estrofe, que, se os amantes se perdoaram, a situação fica resolvida e, por isso,
apenas pede que o processo se encerre com a esmola
do perdão.
Com as rimas
no segundo e quinto e no terceiro e quarto versos, fugindo, portanto, ao
sistema de duas rimas, consagrado para a quintilha e com a acentuação na sétima
sílaba, o poema se estrutura, submisso, a uma narrativa linearmente circular:
tem começo na apresentação de um casal que se ama, prossegue relatando a
desavença entre eles instaurada e, logo, a reconciliação. Como um adendo, as
duas estrofes finais que se dirigem ao juiz, pregando prudência e a absolvição.
Perfeitos veículos de comicidade, os adjetivos briguenta e mandona
e antimusical, rotulando Helena e chato e birrento, designando
Assis que longe estão de falar de heróis. E os verbos, na combinação com um
sujeito inesperado (a vida que desafina tanto quanto Assis) ou com um objeto
composto por duas palavras que discrepam entre si quanto à ação do verbo (carrega gaita e marido / Ao distrito policial). E,
principalmente, a expressão posta em
sossego para dizer de Helena, remetendo ao verso camoniano, contido no
episódio mais lírico e trágico de Os Lusíadas, que, seguido de uma
prosaica informação (Deitada estava a
sestear), estabelece distância entre a personagem da epopéia e o simplório
desencontro familiar. Desencontro, na sua peculiar singeleza, entendido por
Afif Jorge Simões Filho, que fez dele, não apenas um motivo para a sua defesa
sui generis, mas, também, um precioso exercício poético em que os
heptassílabos, a lembrar as quadras populares e um ingênuo lirismo, se combinam
para a espontaneidade de versos cuja graça e beleza vicejam no
simples e no verdadeiro.
Assis e Helena se amavam,
Casal perfeito e feliz,
Mas a vida nos ensina
Que ela também desafina
Como a cordeona do Assis.
Helena posta em sossego
Deitada estava a sestear,
Quando Assis chato e birrento
Tira da caixa o instrumento,
Não parava de tocar
Quando entrou num limpa-banco,
Bonito de pedir bis,
Helena briguenta e mandona,
Arranca dela a cordeona
E arranha a cara do Assis
Ele reage e agride
A esposa antimusical,
Que ante o fato acontecido
Carrega gaita e marido
Ao distrito policial.
Mas depois retira a queixa,
É ela mesma quem diz,
Que uma gaita mal tocada
Não pode por fim à estada
De um casamento feliz.
Senhor Juiz, siga o conselho
De meu saudoso ancestral
Ponha a queixa na gaveta,
Fique quieto e não se meta
Nesta briga de casal.
Se os amantes se perdoaram
Resolvendo a situação,
Justo é o pouco que lhe peço
Que encerre este processo
Com a esmola do perdão.
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