domingo, 8 de maio de 2005

Augusto Roa Bastos: exilio e morte



            Quando, em 1993, Augusto Roa Bastos publicou El Fiscal (Buenos Aires, Sudamericana), completando, com Hijo de Hombre e Yo el supremo, o que ele próprio definiu como a trilogia sobre o “monoteísmo” do poder, foi dito que raras vezes o tema do exílio fora tratado com tanta liberdade e rigor. Dir-se-ia que, também, com muito conhecimento de causa, pois o romancista paraguaio passou sua vida num longo exílio de sessenta e dois anos, muitos dos quais na Argentina e na França.

            O personagem-narrador de El Fiscal, Félix Moral, vive na França e no exílio, ainda que seja na Cidade Luz, aprende que a obsessão de todo  exilado é voltar; e de seu avô, numa carta que dele recebe, nos primeiros tempos, e no intuito de o consolar,  que o exílio é o maior destruidor de almas.  Félix Moral  que, de apátrida, volta a ser na França, cidadão de uma república , se submete, para sobreviver,  à adoção de um nome falso, à perda de sua impossível sinceridade, à invenção de outra maneira de viver, na qual não deve existir o relacionamento com os compatriotas porque sendo o exílio a pior das doenças que podem atacar o ser humano, o contacto com outros doentes somente irá agravá-la. Um mal que aumenta nesse tempo histórico hodierno para se tornar uma  praga universal: A humanidade inteira vive no exílio. Uma vez que já não existem territórios pátrios – e menos ainda, essa pátria utópica que é o lugar onde a gente se sente bem – todos somos beduínos nômades de uma cabilda extinta. Objetos transnacionais como o dinheiro, as guerras ou a peste,  diz o romancista na voz de seu personagem. Igualmente, pela sua voz, irá expressar o sentido da própria morte para os que lhe estão próximos. À minha morte lerão poemas e elogios fúnebres, e escreverão nos jornais exegeses laudatórias com a satisfação do dever cumprido, sacudindo-se as mãos no fim como um pó incômodo. E sua condição de professor de Literatura  lhe permitirá lembrar Novalis quando escreve que a morte é a mesma para todos, mas cada um morre a sua maneira.  O que, no entanto, em se tratando de um homem do Continente, adquire significados inconcebíveis porque a morte pode ocorrer – além das criminosas, oriundas da miséria e das injustiças – pela prática execrável do assassinato e da tortura.

            Em El Fiscal, o narrador-personagem foi preso e torturado sob uma ditadura que Augusto Roa Bastos, na nota que antecede o relato, designa como uma das tiranias mais longas e ferozes da América Latina. Ele não apenas deixa constância dos suplícios a que foi submetido, como dos métodos empregados para neutralizar, no povo paraguaio, toda e qualquer iniciativa de luta para um viver digno. Quando não mais tem condições de testemunhar, o relato se conclui pelas palavras de sua companheira. Numa carta dirigida à mãe, que ignora o destino do filho, ela vai contar em que estado subumano o encontrou na prisão e como, após conseguir levá-lo a um hospital e tentar tirá-lo do Paraguai, é surpreendida por um dos militares do sistema repressivo que, burlão e depreciativo, diz tê-la seguido desde a fuga do hospital até esse lugar próximo da fronteira que pretendia cruzar não a interceptando para fazer durar a ilusão da fuga. Levantou a mão e a patrulha que o acompanhava, com suas armas automáticas, crivou de balas o corpo de Félix Moral, cuja cidadania francesa não foi suficiente para protegê-lo do destino dado àqueles que, nascidos no Continente, tentam se opor às vontades de governantes sejam eles os abomináveis tiranos de turno ou os iníquos que se auto-intitulam democratas.

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