Quando, em 1993, Augusto Roa Bastos publicou El
Fiscal (Buenos Aires, Sudamericana), completando, com Hijo de Hombre
e Yo el supremo, o que ele próprio definiu como a trilogia sobre o
“monoteísmo” do poder, foi dito que raras vezes o tema do exílio fora tratado
com tanta liberdade e rigor. Dir-se-ia que, também, com muito conhecimento de
causa, pois o romancista paraguaio passou sua vida num longo exílio de sessenta
e dois anos, muitos dos quais na Argentina e na França.
O
personagem-narrador de El Fiscal, Félix Moral, vive na França e no
exílio, ainda que seja na Cidade Luz, aprende que a obsessão de todo exilado é voltar; e de seu avô, numa carta que
dele recebe, nos primeiros tempos, e no intuito de o consolar, que o exílio é o maior destruidor de
almas. Félix Moral que, de apátrida, volta a ser na França,
cidadão de uma república , se submete, para sobreviver, à adoção de um nome falso, à perda de sua
impossível sinceridade, à invenção de outra maneira de viver, na qual não
deve existir o relacionamento com os compatriotas porque sendo o exílio a pior
das doenças que podem atacar o ser humano, o contacto com outros doentes
somente irá agravá-la. Um mal que aumenta nesse tempo histórico hodierno para
se tornar uma praga universal: A
humanidade inteira vive no exílio. Uma vez que já não existem territórios pátrios
– e menos ainda, essa pátria utópica que é o lugar onde a gente se sente bem –
todos somos beduínos nômades de uma cabilda extinta. Objetos transnacionais
como o dinheiro, as guerras ou a peste,
diz o romancista na voz de seu personagem. Igualmente, pela sua voz, irá
expressar o sentido da própria morte para os que lhe estão próximos. À minha
morte lerão poemas e elogios fúnebres, e escreverão nos jornais exegeses
laudatórias com a satisfação do dever cumprido, sacudindo-se as mãos no fim
como um pó incômodo. E sua condição de professor de Literatura lhe permitirá lembrar Novalis quando escreve
que a morte é a mesma para todos, mas cada um morre a sua maneira. O que, no entanto, em se tratando de um homem
do Continente, adquire significados inconcebíveis porque a morte pode ocorrer –
além das criminosas, oriundas da miséria e das injustiças – pela prática
execrável do assassinato e da tortura.
Em
El Fiscal, o narrador-personagem foi preso e torturado sob uma ditadura
que Augusto Roa Bastos, na nota que antecede o relato, designa como uma das
tiranias mais longas e ferozes da América Latina. Ele não apenas deixa
constância dos suplícios a que foi submetido, como dos métodos empregados para
neutralizar, no povo paraguaio, toda e qualquer iniciativa de luta para um
viver digno. Quando não mais tem condições de testemunhar, o relato se conclui
pelas palavras de sua companheira. Numa carta dirigida à mãe, que ignora o
destino do filho, ela vai contar em que estado subumano o encontrou na prisão e
como, após conseguir levá-lo a um hospital e tentar tirá-lo do Paraguai, é
surpreendida por um dos militares do sistema repressivo que, burlão e
depreciativo, diz tê-la seguido desde a fuga do hospital até esse lugar próximo
da fronteira que pretendia cruzar não a interceptando para fazer durar a ilusão
da fuga. Levantou a mão e a patrulha que o acompanhava, com suas armas
automáticas, crivou de balas o corpo de Félix Moral, cuja cidadania francesa
não foi suficiente para protegê-lo do destino dado àqueles que, nascidos no
Continente, tentam se opor às vontades de governantes sejam eles os abomináveis
tiranos de turno ou os iníquos que se auto-intitulam democratas.
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