domingo, 2 de janeiro de 2005

O silêncio das árvores

            “El jacarandá”, “El  plátano”, “El cuxín”, “El ginkgo” são textos de Bocas del tiempo (Siglo XXI, 2004), em que, entrelaçadas, se confundem as histórias das árvores e dos homens. Em “El ginkgo”, Eduardo Galeano relata que, uma dessas árvores, já velha, estava perto de um templo budista em Hiroshima. No dia em que a explosão atômica destruiu a cidade, também, como tudo, foi transformada em carvão. Três anos depois, porém, começou a renascer num pequeno broto verde. Vida vitoriosa, cresceu e deu flores, surgindo em meio ao definitivo e imperdoável caos que os humanos impuseram, num dia 6 de agosto de 1945, aos humanos. Conclui com a breve frase: “Para que se saiba”. Uma constante que norteou, sempre, a obra de Eduardo Galeano, desde seu imprescindível Las venas abiertas de América Latina que, junto com os demais, que se lhe seguiram, Dias y noches de amor y de guerra, Memorias del fuego, El libro de los abrazos ou La canción de nosotros, fez com que se revelasse um Continente, até então, conhecido por muito poucos. Sobretudo, no que diz respeito às desigualdades sociais de uma estrutura política e econômica malsã, levada ao paroxismo que faz de grande parte de seus habitantes, verdadeiros párias sociais e à submissão às potências estrangeiras ou à potência que vem ditando, sem restrições, as suas ordens para o mundo inteiro.   
Neste livro de 2004, Eduardo Galeano, tampouco, abre mão desses temas essenciais e ainda pertinentes. De fato, nada mudou nesses anos todos a não ser  a designação dos governos latino-americanos que, de incansáveis ditaduras, passaram a se intitular democracias. Elas permitem algumas liberdades: o cidadão pode falar e escrever; a palavra fome deixou de ser tabu para fazer parte do vocabulário da moda; os parlamentares simulam legislar. Os privilégios, no entanto,  continuam sendo apenas de alguns, os ladrões do patrimônio público seguem sem punição, as reformas que poderiam originar a distribuição de renda necessária a uma vida provida de um mínimo básico –  direito de cada um – não se institucionalizaram. E nesses países, onde tudo está por fazer para que o alimento necessário chegue à mesa de todos, para que exista uma verdadeira assistência médica, uma real instrução e profissionalização e a existência de moradias suficientes e adequadas, os desprotegidos do sistema continuam sendo vítimas, sem defesa, da incúria dos governos que se sucedem.

            Páginas depois, o escritor uruguaio menciona o destino dessas velhas árvores gigantes que, há séculos, estão cravadas no fundo da terra e não podem fugir das serras elétricas movidas pela cobiça e pela ganância irresponsável. Então, o mundo, pela vontade de alguns, delas é  despojado – e despojados são os pássaros de seus ninhos com as derrubadas – para que, em seu lugar, surjam as árvores rentáveis: crescem rápido e rápido significam lucros, divididos entre os que pouco se importam se nesses bosques as raízes depauperam a terra e se os galhos não mais albergam pássaros. Eduardo Galeano diz que são chamados de bosques do silêncio. Certamente,  para a grande maioria das pessoas, sempre pendente do prazer de possuir o supérfluo e incapaz de entender outra linguagem senão a do dinheiro e ciosa de preservar a ignorância em relação a tudo que não seja seu minúsculo cenário, a presença, ou não, do verde de uma árvore, no mundo, pouco importa. Menos o que esta árvore, no seu silêncio, possa expressar.

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