Em nome do pai (Porto Alegre, Edição do Autor, 2004)
se constrói em duas partes, inclusive graficamente distintas, que se
intercalam: os textos de Afif Jorge Simões Neto e os de seu pai que, em prosa e
em verso, vão dando conta de sua vida e de suas emoções. E a elas se
acrescentam as do filho quando completa esse relato, delineando cenários,
tirando do esquecimento testemunhos de amigos e trazendo à luz documentos
significativos que não somente reafirmam algum traço do perfil de Afif Jorge
Simões Filho como permitem que algo da sua época e de seus coetâneos seja mais
conhecido. Assim, a prisão sofrida durante o período ditatorial brasileiro, assim
as suas instâncias para ajudar um amigo, igualmente a mercê dos corriqueiros
sucessos inquisitoriais de então.
Se
o encarceramento do poeta se deu em forma cortês, pois lhe foi permitido, após
ter recebido ordem de prisão, passar a noite em casa, as razões invocadas para
privá-lo da liberdade reforçam a idéia de que muito do que aconteceu então foi
marcado não apenas pela injustiça, mas, sobretudo, pelo mais acabado ridículo.
Afif Jorge Simões Filho foi simplesmente acusado de atividades guerrilheiras –
ele que jamais usara um canivete no bolso – e, então, “exemplado”. Porque levara para a sua pequena propriedade
rural, a doze quilômetros de São Sepé, cidade em que vivia, um velho mosquetão que pertencera a seu
sogro, morto alguns anos antes. Embriagado, o caseiro se divertiu atirando nas
avestruzes que passavam na frente da casa. Alguém ouviu os tiros e delatou o
proprietário do campo como um treinador de guerrilha. Foi o suficiente para ser
preso. Igualmente acusado de realizar uma reunião
subversiva, um agricultor da região
que, festejando os quinze anos da filha, havia reunido um grande número de
convidados. Fora preso sem saber porque e, também, submetido a um
interrogatório de inócuas perguntas. Ainda assim, encarou o episódio com esportividade e até com espírito
galhofeiro, como realmente convinha que fosse encarado. Não o poeta, um
bacharel em direito, conhecedor das leis e dos direitos dos cidadãos, privado
de sua liberdade porque houve delatores desinformados e aqueles que por leviandade ou má-fé lhes deram crédito e
que, diante do erro cometido, ainda se encheram de razões para, encerrar um
diálogo, certamente desconfortável, ao apontar incongruências de atitudes: não estamos aqui para discutir. Como
diz o filho, Afif Jorge Simões Neto, depois de sua prisão política, ele passou
a ser um outro homem: ferido, não pela violência física mas por ter sido
submetido a uma situação em que reinava uma completa
atmosfera de irracionalidade, o que é letal para um poeta de aguda
sensibilidade.
Quando,
seu amigo de infância e conterrâneo, Índio Brum Vargas, militante do grupo armado do
PTB, de Porto Alegre, foi preso e interrogado sob tortura, Afif Jorge
Simões Filho escreve a uma autoridade eclesiástica, pedindo que interceda junto
ao Governo de Estado para que cessem as torturas e para que seja concedida a
liberdade ao seu amigo. Como respostas, duas cartas – ao receber a primeira, o
poeta tornou a insistir no seu pedido – nas quais se sucedem as explicações
sobre os motivos que orientam a conduta discreta, face ao que está acontecendo
no país, e a afirmação, baseada nas palavras de uma autoridade militar, homem de bem e de caráter de que Índio
Brum Vargas não estava sendo maltratado nem torturado.
Anos
depois, entre os livros de denúncias, memórias e depoimentos dos que sofreram
os desacertos do regime de exceção, instalado no país por tão longos anos, o
testemunho daquele que “não fora nem maltratado, nem torturado”: Guerra é
guerra, dizia o torturador. Publicado pela CODECRI em 1981, é um título que
não deixa dúvidas sobre o teor dos relatos que dele fazem parte. E que
demonstram que nem sempre as palavras de um homem
de bem e de caráter podem ou devem ser levadas a sério mesmo quando
referendas por um alto dignatário da Igreja

Nenhum comentário:
Postar um comentário