Foi
em 27 de dezembro de 1969 que Mário Quinta enviou um “Bilhete” sob a
rubrica
“Do caderno H”, publicado no
Correio do Povo de Porto Alegre. Na
verdade, um poema de muitos versos que ele inicia citando um conceito do poeta
latino Valerius Flaccus, autor de
Argonáutica, relembrado diante da
pureza intocada da folha em branco na qual deseja escrever uma
mensagem de Natal. Mensagem que a página lhe diz ter sido enviada, já há muito,
pelos Reis Magos. O poeta recorda da estrela que eles tinham e se pergunta,
talvez atônito, onde ela está. Porque, no presente,
elas apenas
se mostram visíveis como as
estrelas
pirotécnicas / estrelas do mar / estrelas de generais... Hoje se esparramam
no céu em efêmeros espetáculos, em encantados mistérios de águas
verdes ou azuis, em realidades cruéis nesse
1969 em que os subterrâneos da ditadura guardavam seus segredos. Talvez razões
para que o poeta afirme ser melhor não falar nem escrever, apenas desenhar
coisas sem nenhum conceito. Épocas
existem em que os conceitos devem ser calados e não é dado saber qual deles o
poeta teria desejado enunciar. Cala e, crítico ou melancólico, acrescenta que
uma palavra qualquer
macularia uma pobre página, ainda nuínha como a
verdade. Assim, ainda que
toscamente,
quer desenhar a
Virgem, o Menino, o
burrico... A menção à figura materna
com seu filho e do animal, que o diminutivo suaviza, insere no poema, uma imagem
terna. Lirismo cujo tom se acentua nos versos seguintes ao se fazer mais
presente esse interlocutor a
quem o
poeta se dirige. Já presente no início do poema, agora, o poeta o enlaça neste
envio não de uma
idéia, mas de uma
visão: o desenho que deseja esboçar e
do qual adviria – a felicidade? a alegria?, a paz? – certamente um bem que sabe
ser propício a ele próprio e ao interlocutor:
o bem que isso nos faria aos dois. Todavia, algo ainda a
conquistar, aprisionado que está nesse tempo de verbo no condicional a remeter
a um querer que não culmina no desejado mas, apenas do desejado se aproxima.
Esse bilhete
que se inicia remetendo a um poeta definido como arqui-sofista, que mais
adiante questiona o paradeiro da estrela dos Reis Magos e, sobretudo, afirma o
possível malefício de uma palavra contrapondo a ela o despojamento da verdade,
é um dos poucos poemas de Mario Quintana em que a sua vontade se expressa no
condicional. Se vislumbra o motivo de
seu desenho que o dia em que escreve o poema Hoje ,/ Dia de Natal, amplia, em sugestões, de certa forma, o dilui,
ao enunciar que será feito toscamente
o que, no entanto, pode significar pureza e ingenuidade. Se aponta para o bem
que tal desenho fará, o verbo imagina,
imperativo que dirige ao interlocutor, torna esse bem anunciado para si e para
ele, uma hipótese.
Na verdade, na
hesitação em querer e não querer dizer, na ingenuidade do desenho almejado, os
versos desse Bilhete revelam, principalmente, um ingênuo desejo do poeta de
compartilhar um sonho.
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