Em
1956, Pablo Neruda publica Nuevas odas
elementales e “Oda al alambre de púa” (“Ode ao arame farpado”) é o terceiro
poema do livro. A estrofe que o inicia, No
meu país, / arame, arame... é quase
igual a seu último verso: No Chile,
arame, arame.... Um círculo que
se fecha, aprisionando um espaço bem definido, mas que, na verdade, não se
diferencia de outros espaços do Continente: paragens desertas, sem homens, sem
cavalos, apenas arames farpados e terras despovoadas: terras emudecidas, terras cegas,
/ terras sem coração, terras sem sulco. À essa aridez, o Poeta opõe a
alegria da abundância que existe em outras terras do planeta, tornando assim
mais questionável e cruel a presença agressiva do arame farpado nessa
constatação de que nelas poderia existir o trigo, a hortaliça, o queijo, o
arroz, a fruta e o pão enquanto, no Chile, só arame ao longo das amplas
extensões de vazios.
Daniel
Viglietti é uruguaio. Também em seu país a imensidão deserta dos campos se
recortam, como soe acontecer com os latifúndios, com arames farpados: provas
dos sonhos desfeitos de José Artigas, o prócer da Independência de seu país que
já no século XIX acreditava pudesse a terra pertencer a todos. Seguindo-lhe o
ideal, Daniel Viglietti, uma das figuras mais expressivas da música
latino-americana compõe “A desalambrar”, uma canção profundamente ligada à
realidade do Continente que, embora tenha sido composta na década de 60,
continua expressando os anseios desses homens que o passar dos anos não libera
de estarem sempre alijados de tudo o que lhes é devido.
Em
março deste ano, Daniel Viglietti se apresentou na Semana Nacional da Cultura
Brasileira e da Reforma Agrária, no Rio de Janeiro, convidado pela Direção do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Agora, no passado dia 21,
cantou em Curitiba no primeiro Festival Latino-americano de Música Camponesa,
organizado pelo Governo do Estado do Paraná e pelo MST. No seu repertório, as
belíssimas composições “Gurisito”, em
que as palavras gurizinho, crianças, amanhecer, remetem a um futuro demarcado
pela esperança da igualdade: “cada criança um pouco, todos tomarão do mesmo
leite e do mesmo pão”; “Soledad Barret”:
minha vida inteira não alcança para acreditar que possam fechar
a pureza de teu olhar, um tributo à
jovem paraguaia, vítima da luta
clandestina, assassinada no Recife, lembrada pela sua vida, querendo levar a
justiça onde não existia, pela compreensão de que as lágrimas devem ser
empunhadas para cantar, pela certeza de que a união levará à vitória. E “A desalambrar”, cujos sons do violão, lentos e melancólicos
se aproximam do sentencioso que, segundo Félix Coluccio (como também a alegria) define a milonga,
ritmo popular escolhido por Daniel Viglietti como acompanhamento para as
palavras que expressam o anseio coletivo de séculos. Elas emergem com a
autoridade, dada pela razão, que esta
terra é nossa a sugerir o ato de
tirar os arames que a dividem entre poucos e assim socializar-lhe a posse; e se dirige aos que a
escutam, questionando o estabelecido: eu
pergunto aos presentes / se começaram a
pensar / que esta terra é nossa / e não do que possua mais. E o estribilho é um chamado à ação: a desalambrar, a desalambrar (a tirar os
arames, a tirar os arames).

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