Seu
nome, Jaime Espaillat. Seu país, Santo Domingo. Fora ministro do governo
socialista de Juan Bosch, eleito em 1961 e deposto sete meses depois. Sérgio
Faraco em Lágrimas na chuva : uma aventura na URSS (Porto Alegre,
L&PM, 2002) o descreve, nesses idos de 1963, já com sessenta anos, com voz
anasalada e olhar manso. Por um breve tempo, seus dias se cruzaram na clínica
de reabilitação onde um e outro foi internado por algum ato de rebeldia que
desagradou ao Partido. O texto do escritor gaúcho que relata a sua viagem a
Moscou para freqüentar, como estudante, a convite do Partido Comunista da União
Soviética, o Instituto Internacional de Ciências Sociais e os terríveis
momentos vividos sob o efeito de medicamentos num regime de reclusão a que foi
submetido como todos aqueles que ousaram criticas às assertivas superiores, foi
publicado, primeiramente em A Notícia, de São Luiz Gonzaga de fevereiro
a setembro de 2002. São lembranças, diz Sérgio Faraco, em nota quando da
publicação do livro, que remetem ao gelo. E os anos que passaram, desde então,
não minimizaram os desconfortos originados dos atritos constantes com os demais
componentes do grupo de brasileiros, da insegurança gerada pelo golpe de 64 que
iria se constituir, não somente um entrave para a volta ao Brasil, mas,
principalmente, uma incógnita quanto ao tratamento que lhe seria reservado ao
retornar; da grande tristeza causada pela morte acidental de um companheiro;
das tediosas visitas às fazendas que deveriam se constituir modelos de produtividade. Tampouco deixaram
esquecer os itinerários de um país fascinante e um percurso amoroso que o
transitório de sua situação, na Rússia, transformou em sofrimento. Sobretudo,
resguardaram esses momentos ímpares em que, repentinas, emergem, como que do
nada a solidariedade e a gratidão a
reafirmar as qualidades do homem.
Sucumbindo
ao cerco mesquinho e hipócrita armado pelo grupo brasileiro do qual fazia parte
e pelos anfitriões, é levado a uma
verdadeira situação de horror cujo cenário foi o Hospital do Kremlin e
cujo preço, o entorpecimento que o acometia, advindo dos comprimidos e injeções
com que era “medicado”. No leito do hospital, sucederam-se os dias brancos, a
perda da vontade de sair da cama, a falta de ânimo de sair do quarto. É quando
recebe a visita de um dos pacientes que ele já vira passar pelo corredor.
Propunha que fizessem a caminhada juntos. Ainda que não lhe tivesse dado
resposta, Jaime Espaillat volta no dia seguinte e tanto insiste que termina por
convencer. Não somente Sérgio Faraco se submete à ingente tarefa de se erguer
do leito, de efetuar o esforço de sair do quarto e caminhar, como também aceita
o conselho de não mais engolir os remédios que recebia a cada manhã, numa
tigelinha. Assim, lhe foi possível
tornar-se, outra vez, um ser humano normal, capaz de perceber a beleza do
bosque de bétulas por onde caminhavam e o afeto de um companheiro que até então
lhe fora desconhecido.
Antes
disso, quando nas férias foi à Armênia, cuja história sempre o atraíra,
presenciou uma cena que o tocou profundamente. Viajava no ônibus e de súbito se
dá conta de que uma menina de uns oito ou nove anos, que viajava sozinha com um
embrulho, fora apanhada sem passagem.
Não levantava os olhos, nem falava para responder às ríspidas perguntas do
cobrador. Percebendo que seria devolvida à estrada, Sérgio Faraco prontifica-se
a pagar-lhe a passagem e a menina volta para o seu lugar com os olhos baixos. A
viagem prossegue e o sol começa a se por e ele dormita. Até que um
leve susto, como se alguém lhe tivesse tocado a face com um raminho, o
faz abrir os olhos e se emocionar com a delicadeza do gesto agradecido da
menina que, ao ser surpreendida, recua ruborizada.
Assim,
embora nessa experiência vivida na Rússia, imperassem “ressentimentos e malquerenças,
incompreensões e vilanias, a solidariedade e a gratidão – inesperadas presenças
– mostraram quanto é possível o luminoso se inscrever na fosca melancolia das
horas.

Nenhum comentário:
Postar um comentário