domingo, 3 de outubro de 2004

Diálogos. Da Conquista


Em 1973, a Noguer, de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da verdade histórica, Carlos Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e criando um dos mais belos e perfeitos romances da Literatura Hispano-americana. A partir da Crônicas de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino da cidade de Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do Vice-rei do Peru. Ameaçado pelos espanhóis do Chile que pretendem o território, quer salvá-la e, para isso, a muda de lugar três vezes. O segundo capítulo, “El segundo traslado”, narra a viagem que já se iniciara, a decisão de permanecer no lugar considerado bom, os primeiros trabalhos que a reconstroem e, ainda, a meio construir, a ânsia de, outra vez, mudá-la de lugar. Na maestria da estrutura narrativa e da surpreendente  expressão lingüística, os diálogos expressam sentimentos e ra zoes e revelam o que houve de humano e de cruel na Conquista do Continente. 

            Juan Núñez de Prado deve decidir e sabe que fixar-se em detalhes o faz encontrar a tranqüilidade, uma tranqüilidade  relativa que lhe permitiria, por imaginar, entrever, o que realmente buscava ter meios e forças e desejos para levar a cidade embora [...]. Lembra-se do momento em que, no Peru, lhe é traçado esse caminho que o conduz para dentro do Continente e para o cumprimento de sua missão. O atormentado silêncio do Vice-rei enquanto   ele fazia o cálculo do tempo que levaria para reunir os cavalos e  os homens necessários. Depois,  seus argumentos para que apressasse a partida, as perguntas sobre o dinheiro de que dispunha, os objetivos a alcançar e as determinações quanto ao procedimento em relação aos índios, instituindo um diálogo feito de poucas réplicas  entre as quais, algumas breves  seqüências dizem algo do espaço em que eles se movem , dos componentes  da expedição; esboçam o retrato do Vice-rei que se completa pelos seus gestos e pelos seus medos e pela expressão de suas convicções ;  e mencionam o olhar do capitão acompanhando o interlocutor,  gesto de estender os papeis sobre a mesa e a seu riso alegre, diante da perspectiva de concretizar a expedição. 
  
         

O diálogo se estabelece hierarquicamente. O Vice-rei se dirige ao Capitão na segundo pessoa singular e, uma vez, tratando-o pelo nome. Juan Núnez de Prado  lhe responde, dando-lhe a senhoria o que, no entanto, não irá significar  ser-lhe submisso.

            Ao lhe dizer do tempo que precisa para preparar a expedição, primeiro, três meses, depois dois meses  pelo menos, todo o resto do ver, talvez para o outono, o Vice-rei, como se não o tivesse ouvido, insiste para que parta no sábado com a tropa de que dispõe e com  o dinheiro prometido pelo padre Gomar. Diante das explicações  que lhe dá  – só tem sete cavalos e promessas de cães, couros, roupas  e sacos de alimentos – ainda argumenta que dois meses  é demasiado tempo, que parta antes de quatro semanas, que quer vê-lo partir em sete dias. Então,  reconsidera, para aceitar: dois meses, só dois meses, nem um dia mais, partirás a meia noite em que se completarem nossos prazos.

            Em relação ao dinheiro necessário, pergunta  se o  Padre Gomar não vai dá-lo, referindo –se ao ouro que ele tem guardado numa panela e, também, que  lhe havia dito da intenção  de  comprar todos os cavalos do reino para que subamos as serras, e explorar entre as nuvens do sol crespuscular as primeiras estrelas, os rios amassados contra o horizonte, as boas terras.   Juan Núñez de Prado lhe responde que o padre irá  vender o que possui, sua casa, sua índia, seus paramentos sagrados para ir também com a expedição. O Vice rei, impaciente, lhe responde  que venda tudo, Cristo, Maria Madalena e São Cristóvão, que faça sociedade com o diabo, com todos os diabos, mas  quem que devem partir logo.

            Com o acordo feito, o capitão acrescenta o que lhe fora prometido: cavalos e gado, bois, cabra, ovelhas, porcos, cães, trigo, fruta, vinho e armas. E quinhentos índios bem contados e  três  frades.

            Estabelecidas as condições práticas e pecuniárias, o Vice-rei determina, então,  os deveres: o serviço do rei deve se manter vivo, ainda que à custa de necessidades e crimes e misérias:  a crueldade é necessária, quando não existe bondade à mão a qual recorrer [...]..  Mas, adverte que o capitão não deve ser malvado e nem selvagem sem que para isso haja uma extrema necessidade. Que estará pensando nele, na mensagem  do  rei e de Cristo que leva.

            Como sempre fará neste romance, Carlos Droguett insere a expressão dos personagens em meio a seqüências que descrevem e narram e na sua perfeita combinação de elementos fazem do texto romanesco uma dinâmica representação de vida.

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