Em ambos os lados da entrada do Cemitério Geral, embora a
certa distância, grupos de soldados armados vigiavam em carros blindados e em
jipes. Sergio Villegas em “Funeral
vigiado”(Los rostros de Neruda, Santiago, Planeta, 1998)
Na
antigüidade, a ode exaltou heróis e façanhas. Pablo Neruda dela faz a crônica
da realidade que o rodeia onde os elementos mais comuns e prosaicos se
apresentam numa visão lírica e universal, regida, sobretudo, pela clareza . Nuevas
odas elementales foi publicado em
1956, dois anos depois de Odas elementales. Pablo Neruda
tinha cinqüenta e dois anos e cantava a vida que percebia nos homens
e nos seus sentimentos, no mundo feito de cores e sons e formas que encontrava
no frêmito da natureza e na imobilidade dos seres inanimados. Entre as
cinqüenta composições desse seu segundo livro de odes, estão aquelas dedicadas
ao sol, às estrelas, à lua do mar, à cascata, à cordilheira andina, às flores
da costa, à rosa. Também ao azeite, à batata, à tipografia, ao arame farpado, a
um amor secreto, à solidariedade, e a setembro.
Se na “Oda al
mes de agosto” (que pertence ao Tercer libro de las odas, 1957) o Poeta
se detém no frio do inverno, no branco, no azul, na neve, numa única rosa, num
espaço sem folhas / sem latidos, buscando a solidão absoluta (e ando / até mim, / por fim, na mais clara /
claridade da terra), na “Oda a
septiembre”, ele deseja oferecer um sentido à vida, um ensinamento. Setembro é
o mês que ele diz ser das bandeiras, ser seco e ser molhado. Binômio que lhe dá
motivo para um desabrochar de imagens em que se alternam o sol e a chuva: mil flechas de chuva, Lança de sol queimante. E, então, dá ao mês uma presença humana, agraciada com
uma relva festiva para seus pés, com
um arco
íris para sua cabeça. Presença que, não apenas se desenha
mas é instada a dançar e a cantar. Cantar, porém, com a voz dos pobres;
dançar, porém, com os pés da
pátria, nas ruas com o povo. E o povo
(que é o país e a primavera) se faz
dono da terceira e última estrofe da ode
e está presente nos cachos de uva, nos peixes fritos, no Chile dos vinhedos, do
longo litoral marinho. E o povo está sob esses signos que logo a seguir se alinham
quando o Poeta ordena ao mês de setembro coisas de mágica que assim se mostram
a bandeira, a camisa, um par de rosas, uma canção florida, uma guitarra a
emergirem do prosaísmo da arca, do subúrbio, da mina, do abandono, do peito
para dizer de ideais e de lutas. Como
guia, um inatingível – o sol , / o céu
puro da primavera - que a pátria
faz vislumbrar de maneira bem real e cotidiana: algo de sonoro dentro de um
bolso: a esperança. Nos versos estão as cores ( o verde, o vermelho, o amarelo,
o azul); estão os movimentos (a fumaça que sai do teto, o abrir das janelas);
estão as formas ( bandeiras desgrenhadas, mina enlutada, pequena corola temerária).
E na metáfora, setembro é um vento, um
rapto, / uma nave de vinho.
No mundo dos
homens, porém, setembro tem mil caras e, entre elas, também a da morte
que o marcará para sempre: dia 11, o bombardeio da Casa de la Moneda,
instaurando o grande luto no Continente. Dia 23, consciente desse luto e de seu
significado, a morte do Poeta.
Aqueles que acolheram o esquife de Pablo Neruda, quando de sua morte,
no mausoléu da família, pressionados pelo regime pediram que dali os seus
restos fossem retirados. Matilde e uns quantos amigos realizaram o
translado. Neruda foi dormir num modesto nicho incrustado no muro dos mortos
de setembro. Era o que lhe correspondia.
Estava ali com seus companheiros de nomes conhecidos ou simplesmente anônimos.
Mas todos tinham caído no mesmo mês e pela mesma causa. (Volodia Teitelboim. Neruda,
Santiago. Sudamericana,1996).
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