domingo, 19 de setembro de 2004

O poder das listas e das estrelas


             Em 1954, a Losada, de Buenos Aires, publica Las Uvas y el Viento, livro que reúne os poemas escritos ou reunidos entre 24 de fevereiro de 1949 e 12 de agosto de 1952, quando Pablo Neruda viaja pela Europa e pela Ásia. Mais do que a visão de um mundo que acredita renovado pelo socialismo é um livro que, nos seus vinte e um cantos, vai  desenhando, nas idas e vindas do Poeta, um mapa lírico no qual cabem as paisagens e os homens, a reafirmação de certezas e os momentos de emoção.

 “La flor de seda” é o título do décimo segundo canto e, como o  segundo,  dedicado à Ásia, nesses anos, agitada por mudanças que o Poeta desejou registrar. O primeiro poema desse canto,  “El lírio lejano” se inicia com a palavra Coréia. Um país  delineado num tempo de transformações, de novas flores, de paz que se eleva; de um traje recente, aquele usado nas fábricas, a substituir o de boneca ensanguentada e da vontade de modelar a própria estrela. No segundo poema, “Los invasores” a estrofe de um só  verso,  feito de uma única palavra, vinieron (vieram) dramaticamente, anuncia aqueles que chegaram: os  que arrasaram com a Nicarágua, os que roubaram o Texas, os que  humilharam Valparaíso, os que oprimiram Porto Rico. Cinco vezes o verbo vieram é usado, insistindo no que, ao longo da História, sempre se repetiu: o domínio de um povo sobre o outro. Reportando-se ao passado e à outras geografias, o poeta lembra os agressores que, agora, chegam, também à Coréia. Eles não são nomeados, mas se definem por seus atos: queimam vivos mãe e filho na aldeia, incendeiam a escola, procuram o último pastor nas montanhas,  matam o prisioneiro no seu leito, destroem vidas e a vida. E pelo caos  - fumaça, cinzas, sangue, morte - que então e somente com a sua presença passa a existir. São conhecidos pelo que possuem – o napalm, os dólares, os aviões assassinos, suas listas e suas estrelas (clara alusão à tão conhecida bandeira), o que não deixa dúvida sobre a identidade daqueles que realizam tais proezas. O terceiro poema, “Las esperanzas”, testemunha esse momento que parece ser de fracasso e ao qual se sucede uma forte razão – um homem, uma nação, uma bandeira – para que retorne a luz e a semente volte a ser semeada. O Poeta, outra vez, nomeia a Coréia, enaltecendo-a ao chamá-la de  mãe de nossa época e mencionado-lhe o sofrimento, advindo da morte de seus filhos e da destruição.O quarto poema, “Tu sangre”, vai  reafirmar as perdas – filhos mortos, filhas mortas – e o sofrimento: Não há número nem há nome / para tantas dores. E exaltar, então, o tesouro que a Coréia deu ao mundo: não apenas a própria liberdade, mas a liberdade inteira, / a de todos, a liberdade do homem. O que, no último poema, “La paz que te debemos” será, outra vez, reafirmado e, outra vez, enaltecido, como  a convicção, tão própria do Poeta, de que As lâmpadas / continuarão acesas / e as sementes buscarão a terra.

            Lírico, seus versos remetem às cores e às flores, ao sacrifício dos heróis.Ao militante, ao sangue vertido e ao valor inigualável da conquista. Porque assim como acredita que o vento irá conduzir as palavras do novo ideal, que é possível elevar a nova estrela ao firmamento, o Poeta conserva a certeza de um florescer das verdades que ele  sempre distinguiu e exaltou.

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