domingo, 31 de outubro de 2004

Diálogos. Das convicções



Em 1973, a Noguer, de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da verdade histórica, Carlos Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e criando um dos mais belos e perfeitos romances da Literatura Hispano-americana. A partir da Crónica de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino da cidade de Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do Vice-rei do Peru. Ameaçado pelos espanhóis do Chile que pretendem o território, quer salvá-la e, para isso, a muda de lugar três vezes. O segundo capítulo, “El segundo traslado”, narra a viagem que já se iniciara, a decisão de permanecer no lugar considerado bom, os primeiros trabalhos que a reconstroem e, ainda, a meio construir, a ânsia de, outra vez, mudá-la de lugar. Na maestria da estrutura narrativa e da surpreendente  expressão lingüística, os diálogos expressam sentimentos e razões e revelam o que houve de humano e de cruel na Conquista do Continente.
 
 

            Juan Núñez de Prado ainda uma vez defende a mudança da cidade: É uma bela terra, mas estreita e dura, estamos morrendo de fome, senhores[...] e percebe  o prisioneiro caminhando entre os escombros. Tinha os braços cruzados no peito e as cordas o amarravam até os ombros. Ia apressado, os soldados o assinalavam rindo e  um dos capitães diz que ele está indo para a cadeia onde irá esperar que as cordas apodreçam para voltar ao cultivo de suas rosas. Juan Núñez de Prado   lança  o  cavalo  na sua perseguição. Ao ver que ele se aproximava, o soldado começa a correr mas o capitão dá um golpe nas suas costas e o atira no chão. Ele cai sobre uns lençóis. Estavam  limpos e frescos e tinham  cheiro de flor e de capim, de verde, de sol, de madrugada e o soldado procurou esconder seu rosto neles. Juan Núñez de Prado desmontou e se ajoelhou a seu lado. Por que foges, por que foges atado assim, quem te atou, quem te atou e te deixou sozinho? ele pergunta, mas a resposta – os soldados, o capitão – não foi de seu agrado. O soldado conseguiu se por de pé e caminhou, tambaleando  Era garboso, jovem, de traços finos, audazes e ingênuo[...]. O capitão, segurando as cordas que lhe caiam da cintura o puxou com violência, e perguntou, outra vez, por que fugia. Com tristeza,  ele responde, falando da cidade ferida que o capitão apunhalava. E o capitão se justifica, dizendo que não a apunhala, não a mata mas a leva embora para salvá-la. Defendes a cidade daqueles que a amam mais do que tu, prendeste todos que  desejavam ficar, cuidar de suas casas, regar suas árvores, tu queres somente homens a cavalo, agarrados aos arcabuzes e as adagas, somente queres soldados.  O capitão argumenta falando no rei,  em Jesus e o soldado lhe diz que as suas palavras são as de um homem que tem medo. Não estou derrotado  se defende, e ouve, ainda, uma nova acusação: senhor, estás matando as pessoas para alimentar tua solidão, para que sejas devorado pelo teu medo[...].  Juan Núñez de Prado levanta a mão e com a adaga e corta as cordas que aprisionavam o soldado. Sentindo-se livre  seu  olhar e  o  gesto que esboça demonstram  tímida alegria e ressurreição. O capitão, desceu o braço, o abrigou a se afundar na terra e, se ajoelhando caiu sobre ele dobrando a mão que se apagou no seu peito. Os cavalos se moveram como se desejassem esconder  tudo aquilo.

            As próximas seqüências narrativas informam  que    Juan Núñez de Prado escuta os ruído da vida  que se agita  a seu redor: dos sabres, das vozes dos soldados, do ranger das carretas na terra dura, no latir os cães, da água correndo. Percebe o movimento dos índios, carregando sacos e ferramentas, dos soldados se certificando se as adagas e as cordas estavam nos cinturões, o farfalhar  das árvores,  e o  vôo  pesado dos pássaros enormes. Entre as sequências  que estabelecem o cenário e seus personagens estão as que  tornam a referir a morte do soldado pelas mãos de seu capitão.  Já, agora, acrescentando informações (o capitão via o seu  perfil puro e jovem, ainda não  formado de todo) ou oferecendo significado diferente para o gesto do soldado ao serem cortadas as cordas que o prendiam (  levantou o braço para golpear o capitão ou se despedir), referindo o ato de matar, apenas sugerindo ( sabendo o capitão o que fazia e lamentando-o,  a mão lhe tremia, tinha muito medo, via os olhos do soldado buscar a terra).

            Novamente, o relato abandona a cena sangrenta  para fixar o movimento dos cavalos, as vozes dos soldados, o barulho dos martelos batendo algumas portas, as madeiras se desprendendo das casas.

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