Em 1973, a Noguer, de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da verdade histórica, Carlos Droguett a refaz,
insuflando-lhe vida e criando um dos mais belos e perfeitos romances da
Literatura Hispano-americana. A partir de Crónicas de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino da cidade de
Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do Vice-rei do Peru. Ameaçado
pelos espanhóis do Chile que pretendem o território, quer salvá-la e, para
isso, a muda de lugar três vezes. O segundo capítulo, “El segundo traslado”,
narra a viagem que já se iniciara, a decisão de permanecer no lugar considerado
bom, os primeiros trabalhos que a reconstroem e, ainda, a meio construir, a
ânsia de, outra vez, mudá-la de lugar. Na maestria da estrutura narrativa e da
surpreendente expressão lingüística, os
diálogos expressam sentimentos e razões e revelam o que houve de humano e de
cruel na Conquista do Continente..
A cidade
está sendo construída quando Juan Núñez
de Prado decide mudar o seu assento pela segunda vez: não gosto desta terra,
tenho horror aos cerros e às rochas, sinto que a cidade e nós estamos sendo
afogados neles, nos falta o ar, o céu está muito alto e distante, estamos
encurralados e afastados da vida, da rota dos assaltantes e bandidos, temos que
ir embora [...]. Alguns espanhóis
não querem partir – se apegaram às casas, plantaram flores e árvores frutíferas
- e por sediciosos são feitos
prisioneiros. Ao vê-los num quarto fechado, Juan Núñez de Pradoe diz ao capitão
Guevara que, talvez, não os devessem ter ali,
mas ao sol, na praça, onde possam vê-los. Guevara responde que
logo serão vistos pois são frutas
para as forcas.
A
insegurança de Juan Núñez de Prado expressa no advérbio talvez,
contrasta com a segurança de seu capitão que, taxativo, diz do destino que
terão os prisioneiros. Insegurança que será presença constante no diálogo que
mantém com ele e que determina seja um diálogo, quase sempre, feito de
interrogações e respostas. Quer saber Juan Núnez de Prado se os soldados
trabalhavam construindo a cidade que deviam desmontar; depois, se deveriam
levá-los junto com a mudança; se havia mais prisioneiros do que soldados
livres. E a incerteza que o alimenta transparece, igualmente, ao perguntar se Guevara compreende seus
desejos, suas ambições; se acredita ser ele um homem cruel; como deixar a cidade perecer de fome ou ser
destruída pelos índios; se os padres
capelães já sabem o que se passa; e ao saber
que os soldados clamam contra a injustiça, pergunta com tristeza, de que
injustiça se trata.
Ao
contrário, o capitão Guevara responde informando: sim, os que não querem deixar
a cidade, trabalham desde cedo; nada foi dito aos padres capelães mas devem ter
escutado os disparos e os gritos. Mas, também, induz soluções ao perguntar, por
sua vez, ao superior, se acredita que devam levar os prisioneiros; não leva em
consideração o desejo de seu interlocutor de ser compreendido ou não se propõe
a informar aos padres das decisões tomadas. Sobretudo, se mostra convicto da
necessidade da mudança que sabe já está sendo feita, antes mesmo do conhecimento de Juan Núñez de
Prado e da honestidade de seu trabalho, tido por injusto, pois no seu
entender, se os espanhóis não compreendem a necessidade de
abandonar um lar que se deseja, os móveis que viveram conosco, a roupa que
amassamos no nosso desespero e solidão, se não sabem abandonar virilmente
uns vasos de flores, uma dúzia de frutas perfumadas, como compreender,senhor,
que essa tropa de ladrões e assassinos tenham se embarcado na Espanha para vir
conquistar a terra? Mais adiante, respondendo à inquietação de Juan Núñez
de Prado ao se referir que alguns de seus homens querem ter raízes e refutam o
abandono da cidade, afirma, categórico, que a mudança se fará ainda que eles
não queiram.
Nas
palavras – breves seqüências - que Juan
Núñez de Prado e Guevara trocam entre
si, eles se revelam imbuídos de
arrogância e de incertezas. No afã de buscar a vitória a qualquer preço,
igualmente revelam as vítimas que
fizeram: prisioneiros, feridos, mortos. O relato, por vezes, neles se detém,
fixando-lhes um gesto, traços de um rosto, o medo e o sofrimento. Denso,
entrelaça o cenário com os personagens, seus sentimentos, seus atos e numa
amálgama de perfeição textual
delineia vencedores e caídos. Nos
territórios do Continente e nos seus dramas se vislumbram, então, magníficos e
comovedores, os mistérios da condição humana.

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