A narrativa de O Louco do Cati, publicado
em 1942 pela Globo de Porto Alegre e no ano passado pela Planeta é linear e
cronológica. Ocorrências, imprevistos, soluções vão acontecendo e levando o
Louco do Cati a uma vivência
compartilhada com pessoas cujos universos pouco se aproximam:o das prisões, o
da pensão no Rio de Janeiro, o da família que o albergou em Lages, o do
professor de Medicina cuja diagnóstico lhe permitiu sair da cadeia; o da velha
senhora em cuja casa pernoitou, em São Paulo.
A
sua aventura nessa viagem em que sempre, aleatoriamente, se ve conduzido pelos
que se arvoram em seus responsáveis, é relatada numa sucessão de episódios.
Núcleos narrativos, feitos de alguma
notação de cenário; de personagens elaborados a partir de um gesto, de uma
frase, de um detalhe físico ou do trajar, de uma atitude; de uma ação que por
si só se completa. Eles muito pouco se
relacionam com os que o antecedem ou com os que se lhe seguem. Assim, o
primeiro episódio da viagem até a praia que se encerra no capítulo “O mar”, como se fosse o fim de um espetáculo
teatral: Algum tempo depois eles eram
vistos desaparecendo nas dobras oblíquas dos cômoros, como através uns
bastidores. Assim, as viagens pelo litoral, o episódio da prisão em
Araranguá; a viagem de navio para o Rio de Janeiro, a permanência na prisão, os
dias passados na cidade, já em
liberdade. E assim, sempre, ao longo do romance.
Embora
o fio condutor do relato seja a figura de o Louco do Cati, nesses pequenos
universos em que ele, sucessivamente se
move, se introduzem momentos
de outras vidas que não fazem parte da sua aventura mas a ela, efemeramente, se unem.
No
capítulo “Vida Nova”, já em liberdade no Rio de Janeiro, o Louco do Cati e seu
companheiro Norberto, diante das dificuldades que devem enfrentar, despertam a
simpatia de Lopo, um rapaz alagoano que encontram num café da praça Tiradentes.
Prontifica-se a arrumar uma roupa para o Louco do Cati e a solucionar-lhes a
questão da moradia pois a pensão onde estavam
lhes saía caro. -Precisam morar
comigo, ele decide, disposto a recebê-los no quarto em que mora, à revelia
da dona da casa. Combinaram jeitos de entrar em casa sem serem vistos, à noite;
depois, a criada informa que a dona da casa já andava desconfiada e eles se
revezam para dormir. Lopo, durante a noite,
e os dois durante o dia. Até a hora em que é chamado para ir falar com a
dona da casa, quando ele volta com o convite para almoçar. Então, explica o que estava acontecendo. A dona da
casa precisava de ajuda no caso da filha mais velha e ele se pôs à disposição.
Já com um plano pois a delegacia ficava perto e, juntos, ele, Norberto e o
Louco do Cati, foram para lá. Lopo deu o nome do rapaz, seu telefone, e muitas
sugestões ao comissário que os atendeu pois o delegado só trabalhava à tarde. E
à tarde, ouvido o rapaz acusado e seu amigo e, tendo já sido investigado o
passado da moça, tido por condenável, é
em seu detrimento, a conclusão do delegado. Não consta como foi feita essa
investigação, tampouco tenha sido a moça ouvida ou posta em dúvida a veracidade
das afirmações do rapaz.
Na
quarta parte do romance, o Louco do Cati já está em Lages, hospedado na casa do
motorista de caminhão que o levou para o Sul. A família e uns amigos programam
um pique-nique perto da cascata. Para ajudar no preparo do churrasco chega um
morador dali perto. Em dado momento, a conversa na roda dos homens só se
refere ao caso de sua filha. O rapaz lhe fizera mal e agora não queria
reparar o ato. A queixa na polícia fora feita fora da época ( quase sempre acontece isso, diz alguém) e, assim, o
casamento reparador já fora de cogitação
o que induz o pai da moça a pensar numa indenização em dinheiro: Pois então o Djalma esteve com a rapariga e
não casa, não vai preso, não lhe acontece nada?... Não podia ser [...] – Até
cinco mil réis me deixa satisfeito. Mas eles tem que pagar alguma coisa.
Embora
nos dois casos, o Louco do Cati estivesse presente (sem dúvida, na Delegacia
pois, duas vezes, é mencionado o olhar
do comissário fixo nele; e, presumivelmente, no pique-nique, , ainda que tal
não seja mencionado, fazendo parte da roda dos homens) não há uma
relação evidente entre ele e esses dois dramas que lhe estão próximos.
E se assemelham ao expressar – seja na
cidade grande, seja na zona rural – o exercício de uma prática unilateral já conhecida quanto às
responsabilidades masculinas que a lei parece prever em face de determinadas situações de
relacionamento amoroso. Em ambos os casos, os pedidos de reparação feitos pelas
partes que se acreditam prejudicadas, caem no vazio. São julgados improcedentes
pela autoridade, ou por acatar somente
um dos lados envolvidos ou por se basear na prescrição do tempo a invalidar a
pretensão.
Se
em todos os obstáculos enfrentados pelo Louco do Cati ele foi ajudado, num
testemunho constante de solidariedade, nestes dois episódios se impõe a negação
– passivamente aceita - de um real ou
possível direito pretendido. A sua viagem
continua transcorrendo e para
trás ficam Nanci e Ecila – assim se
chamam as moças – à mercê do destino que
as leis dos homens determinam.

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