domingo, 1 de agosto de 2004

Republiqueta


            É um longo romance de, aproximadamente, quinhentas páginas, publicado, neste ano, pela Girafa de São Paulo: A faca e o mandarim. Seu autor, Sinval Medina, cujo percurso de romancista se iniciou em 1980 com Liberdade condicional (1980) e continuou com Memorial de Santa Cruz (1983), Antes do vendaval (1988) e Tratado da altura das estrelas (1996), O herdeiro das sombras (2001). Neste seu último romance, entrelaça episódios verídicos e ficcionais para narrar o assassinato de José Gomes Pinheiro Machado, em 1915. E o faz na voz de Custódio de Paiva Lima, um jornalista que, na qualidade de repórter, acompanhou o caso, assistindo, inclusive, ao julgamento e que, além disso, privou com o senador, frequentando-lhe a casa. Instado, quase quarenta anos depois, a um testemunho que, evidentemente, também será sobre o que ocorria na capital do país nesses primeiros anos do século o fará de maneira lúcida e mordaz. E que não estará isento   de juízos de valor sobre algumas conhecidas figuras de nossa história que o autor esclarece não compartilhar, assim como, não compartilha  com a maioria das opiniões políticas de Custódio de Paiva Lima. No entanto, elas não são de desdenhar até porque, muitas vezes, se apresentam, abstraindo-se nomes e lugares, como extremamente atuais e pertinentes. Porque o país não mudou os seus caminhos e os políticos – se que assim é possível chamar os que se elegem para legislar em causa própria – que o desservem, continuam a não ver o país como um todo, pouco se importando com as selvas da Amazônia, o sertão do Nordeste ou o pantanal do Mato Grosso. Sobretudo, se abstraindo de uma defesa das riquezas brasileiras, de um estímulo à empresa nacional, de preservar os direitos do trabalhador. Como continua a grassar e não apenas no Rio de Janeiro, como o constata Custódio de Paiva Lima, essa mentalidade que justifica o enriquecimento por quaisquer meios que sejam, sem se submeter a pruridos de consciência ou de vergonha e que orienta a submissão – um crônico estado de espírito – com que os governos do país, quase sempre, se mostram às potências estrangeiras.

Falando de Café Filho, no Catete, imediatamente após a morte de Getúlio Vargas, o jornalista não duvida que o novo governo está doido para escancarar a economia ao imperialismo americano. O petróleo que era nosso vai ser deles. O nosso minério de ferro. As areias monazíticas. E tudo mais. Atitude entreguista que, na verdade, já vinha dos primeiros anos republicanos quando o regime vagou por mares procelosos como nau sem rumo, uma vez que o pregado pelos que idealizavam a república foi usurpado pelos aproveitadores, os adesistas de última hora que, não apenas ajudavam a provocar confusões e escândalos, como não tinham consciência da insensatez dos que, no governo, macaqueavam idéias da Europa e da América do Norte. Era todo um coro de subserviência, principalmente aos banqueiros da City londrina ou de qualquer banco internacional, pois como diz o narrador de A faca e o mandarim, tanto os barões do café como os grandes exportadores estavam convictos de que era bom para o Brasil tudo o que resultasse em lucro para a família Rothschild [...].

Confessando preferir os clichês, as frases feitas, as imagens conhecidas aos volteios da boa retórica, Custódio de Paiva Lima emprega frases curtas e inusuais, feitas de um gerúndio, de uma conjunção, de um substantivo; um vocabulário escorreito em que se inserem termos já pouco usados e, em abundância, expressões do mais perfeito lugar comum, formando um todo pleno de sagacidade e de troça. Relato de idas e vindas que não abandona o seu fio condutor – a morte do Senador Pinheiro Machado – e que se amplia no desenho de perfis, nas descrições da cidade do Rio de Janeiro, no esboço das mentalidades e no tecer das intrigas políticas.

E a linha que separa a ficção da realidade se embaralha sem que isso resulte em prejuízo para o prazeroso ato de ler ou para a compreensão dos azares do Continente.

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