É
um longo romance de, aproximadamente, quinhentas páginas, publicado, neste ano,
pela Girafa de São Paulo: A faca e o mandarim. Seu autor, Sinval Medina,
cujo percurso de romancista se iniciou em 1980 com Liberdade condicional (1980)
e continuou com Memorial de Santa Cruz (1983), Antes do vendaval
(1988) e Tratado da altura das estrelas (1996), O herdeiro das
sombras (2001). Neste seu último romance, entrelaça episódios verídicos e
ficcionais para narrar o assassinato de José Gomes Pinheiro Machado, em 1915. E
o faz na voz de Custódio de Paiva Lima, um jornalista que, na qualidade de
repórter, acompanhou o caso, assistindo, inclusive, ao julgamento e que, além
disso, privou com o senador, frequentando-lhe a casa. Instado, quase quarenta
anos depois, a um testemunho que, evidentemente, também será sobre o que
ocorria na capital do país nesses primeiros anos do século o fará de maneira lúcida
e mordaz. E que não estará isento de juízos
de valor sobre algumas conhecidas figuras de nossa história que o autor
esclarece não compartilhar, assim como, não compartilha com a maioria das opiniões políticas de
Custódio de Paiva Lima. No entanto, elas não são de desdenhar até porque,
muitas vezes, se apresentam, abstraindo-se nomes e lugares, como extremamente
atuais e pertinentes. Porque o país não mudou os seus caminhos e os políticos –
se que assim é possível chamar os que se elegem para legislar em causa própria
– que o desservem, continuam a não ver o país
como um todo, pouco se importando com as
selvas da Amazônia, o sertão do
Nordeste ou o pantanal do Mato Grosso. Sobretudo, se abstraindo de uma defesa das riquezas brasileiras, de um estímulo à empresa nacional, de
preservar os direitos do trabalhador.
Como continua a grassar e não apenas no Rio de Janeiro, como o constata
Custódio de Paiva Lima, essa mentalidade que justifica o enriquecimento por
quaisquer meios que sejam, sem se submeter a pruridos de consciência ou de
vergonha e que orienta a submissão – um crônico estado de espírito – com que os
governos do país, quase sempre, se mostram às potências estrangeiras.
Falando de
Café Filho, no Catete, imediatamente após a morte de Getúlio Vargas, o
jornalista não duvida que o novo governo
está doido para escancarar a economia ao imperialismo americano. O petróleo que
era nosso vai ser deles. O nosso minério de ferro. As areias monazíticas. E tudo mais. Atitude entreguista que, na
verdade, já vinha dos primeiros anos republicanos quando o regime vagou por mares procelosos como nau sem rumo,
uma vez que o pregado pelos que idealizavam a república foi usurpado pelos
aproveitadores, os adesistas de última
hora que, não apenas ajudavam a
provocar confusões e escândalos, como não tinham consciência da insensatez dos
que, no governo, macaqueavam idéias da
Europa e da América do Norte. Era todo um coro de subserviência, principalmente aos banqueiros da City
londrina ou de qualquer banco internacional, pois como diz o narrador de A
faca e o mandarim, tanto os barões do café como os grandes exportadores
estavam convictos de que era bom para o
Brasil tudo o que resultasse em lucro
para a família Rothschild [...].
Confessando
preferir os clichês, as frases feitas, as imagens conhecidas aos volteios da boa retórica, Custódio de Paiva Lima emprega frases curtas e inusuais,
feitas de um gerúndio, de uma conjunção, de um substantivo; um vocabulário
escorreito em que se inserem termos já pouco usados e, em abundância,
expressões do mais perfeito lugar comum, formando um todo pleno de sagacidade e
de troça. Relato de idas e vindas que não abandona o seu fio condutor – a morte
do Senador Pinheiro Machado – e que se amplia no desenho de perfis, nas
descrições da cidade do Rio de Janeiro, no esboço das mentalidades e no tecer
das intrigas políticas.
E a linha que
separa a ficção da realidade se embaralha sem que isso resulte em prejuízo para
o prazeroso ato de ler ou para a compreensão dos azares do Continente.

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