Na
capa, os Andes e o Morro do Careca – fotomontagem de Marcelo Mariz – numa
proximidade surpreendente. Diluindo as fronteiras, entre as montanhas nevadas e
o morro tropical, o título do livro e seu sub-título: O livro das respostas
(em face do Libro de las preguntas de Pablo Neruda). Respostas estas de
Diógenes da Cunha Lima que, deixando-se impregnar, diz Edon Nery da Fonseca, no
prefácio do livro, pela atmosfera de
sonho e magia que transmite Pablo Neruda no seu Libro de las preguntas, se
mostram verdadeiras pequenas maravilhas.
Diógenes
da Cunha Lima, o poeta de Lua 4 vezes Sol, Instrumento Dúctil, Corpo
breve, Natal, Poemas e Canções, Poemas versus prelúdios, Pássaros
da memória, neste Livro das respostas , partindo do verso de Pablo
Neruda e nele se entrelaçando, deixa constância de poemas tão fascinantes como aqueles que o
desencadeiam. Porque, se nos versos de Pablo Neruda se percebem caminhos já
trilhados – a natureza, as preocupações políticas, algo de troça e o grande
amor à vida – nessa longa e intensa vida que foi a sua, não surpreendem as reiteradas menções ao
outono. Sim, o não serem marcadas pela melancolia de quem já muito viveu mas
pela alegria e pelo fantasioso matizados de exuberantes amarelos. E, assim,
resultam as respostas – cada poema antecedido de um travessão – que lhes dá
Diógenes da Cunha Lima: submissas à alegria, ao lirismo, à sabedoria e ao
sorriso compartido.
Pergunta Pablo Neruda: Te hás
dado cuenta que el otoño / es como una vaca amarilla? E o poeta brasileiro
responde sem peias: - Percebi. Pelo leite
derramado. Quando o poema se enriquece com as palavras pájaro amarillo, limones,
nido (Cuál es el pájaro amarillo /
que llena el nido de limones?) a resposta se aprofunda no lirismo: -O
pássaro infiel. Por vezes, as respostas precisam das perguntas. Em -Estão em potes dourados / de melaço nos engenhos, os versos feitos de esplêndida
combinação de palavras necessitam da pergunta: Donde están los nombres aquellos /Dulce como torta de antaño? Outras vezes, cobram vida,
independentes das perguntas que a originaram. Em Si se termina el amarillo / con que vamos a hacer el pan?, Pablo
Neruda relaciona cor e alimento, constituindo-se a ausência de lógica a
substância poética. Na reposta de Diógenes da Cunha Silva, - Faremos o pão da terra. Um dia vamos ser seu pão, a relação
encontra respaldo lógico na tradição (a terra dá frutos, o trigo é fruto da
terra) como, igualmente, o encontra nesse voltar à terra (e se tornar seu
alimento), quando o poético emerge,
então, num significado maior e mais profundo. Há o caso em que a pergunta
parece não ter resposta (Se alejarán em
el otoño / las golondrinas de la luna?), mas o poeta brasileiro a encontra
e convicto, informa: - No outono as
andorinhas / farão ninhos inaugurais / no outro lado da lua. Também o caso em
que, conservando as três palavras chaves da pergunta, lhes muda a função
sintática, originando uma situação diferente,
ainda que, sem se afastar da idéia presente na pergunta de
Pablo Neruda: (Los peluqueros del otoño /
despeinaron los crisântemos?: - De
repente, em multidão / os crisântemos
/ despentearam o outono). Sem mencionar o outono mas, ainda assim, a
lembrá-lo na referência à folha amarela, (Por
qué no dar uma medalla / a la primera hoja de oro?), Pablo Neruda lhe confere o valor definitivo do metal
precioso que a torna, primícia que é,
merecedora do prêmio. Diógenes da
Cunha Lima, ao responder, combina três palavras da mesma rede de
significados- desdouro, dourado, ouro –
que nos seus versos se opõem (- Para não
haver desdouro: o dourado despreza o ouro) e lhe confere uma razão que o
sentido lúdico do poema de Pablo Neruda não fazia prever. E, ricamente
expressiva, a pergunta Por qué se suicidan las hojas
amarillas?, na melancólica relação entre o declínio da vida e um
eventual desejo de auto aniquilamento. Dá origem a não menos rica e expressiva
resposta de Diógenes da Cunha Lima: -Com
saudades de Van Gogh em que junto à palavra saudade, tida por intraduzível,
se alinham as reminiscências dos tons de amarelo presentes nos quadros de Van
Gogh, e a sua auto-mutilação e posterior suicídio.
Num
país de imensas dimensões e em que as elites (ou os que assim se consideram)
voltam as costas para os países limítrofes, ignorando–lhes a expressão, surge
como algo de especial significado esta
relação, feita de palavras, que um poeta do nordeste brasileiro instaura com um
poeta do extremo sul do Continente. Precioso diálogo que prescinde de cenário e
da presença e ignora o tempo e faz desabrochar inesperadas leituras num
itinerário que os poemas de Diógenes da Cunha Lima fazem plenos de
encantamento.

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