domingo, 2 de maio de 2004

Perigo sem cautela

            A Summus Editorial ao lançar Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros, de Osman Lins, justifica a decisão de reunir em livro uma seleção de seus textos dispersos em jornais: numa época de cautelas e de medos, onde tudo é dito de maneira dúbia, respira o leitor, com alegria, nesse livro franco e viril, o ar sempre reconfortante de franqueza e da coragem de dizer.  Coragem, sem dúvida, teve Osman Lins ao examinar livros didáticos, problemas do escritor no Brasil e aspectos do ensino universitário, sem escamotear-lhes nem os defeitos, nem os vícios, nem as imperfeições que o levaram, ao agrupá-los, a cunhar a significativa expressão problemas inculturais brasileiros.
 
            “Reflexões sobre um quadro negro” foi publicado em 1976. Discute as razões da grande aceitação, nos campos de Letras, das doutrinas que entendem o texto literário como um sistema imanente, liberto das relações com o sentir dos homens e com os fatos sociais e políticos da sociedade onde são gerados. Na época, tal modo de aproximação do texto literário se congregava nas várias modalidades do estruturalismo, corrente que, havendo se expandido nos principais centros universitários da Europa, encontrou solo fértil no Brasil, sempre tão receptivo a tudo que chega do hemisfério norte. Osman Lins sintetiza o seu postulado básico: no estudo da literatura o que deve interessar é o texto em si, suas conexões, sua organização. As idéias, por mais profundas, mais justas ou mais afortunadas que sejam, não fazem literatura. As interpretações da obra e as tentativas de estabelecer conexões com algo que lhes seja exterior pecam pelo arbítrio e estão ultrapassadas. Diante de uma doutrina tão clara e linear, ele se propõe, no entanto, refletir sobre o quê, exatamente, a torna tão sedutora e aceitável nos cursos de Letras brasileiros. Começa por retomar a questão do nível intelectual dos que ingressam na faculdade, que, a cada ano, deixa mais a desejar. O que se torna inquestionável, quando submete, aos seus alunos do quarto e sexto semestre de Literatura Brasileira, um questionário com dez quesitos, envolvendo conhecimentos superficiais de Literatura. O resultado demonstrou, não apenas a insuficiência, a imaturidade e o despreparo deles, mas, também, o dos professores que dessas insuficiências não se dão conta, ministrando cursos, baseados no que aprenderam na Europa ou em revistas estrangeiras, sem reconhecer que tais alunos não são interlocutores (ou, mais propriamente, ouvintes) aptos a absorver  tais conteúdos.

            Os anos passaram, proliferaram, no país, os cursos de Letras e conseqüentes Mestrados, Doutorados, Pós-Doutorados, cujas deficiências – salvo as sempre raras e honrosas exceções – dificilmente são sanadas. E o mundo editorial continuou preso aos velhos hábitos de publicar, preferentemente, os títulos mais vendidos nos Estados Unidos; e, não foram muitas as livrarias que surgiram; e, tampouco, aumentou o número de bibliotecas e, as existentes, pouco acrescentaram ao seu acervo; e a edição de jornais e de revistas continua a ser em número ínfimo, se considerado o número de habitantes do país.E, como sempre, continua a comentar-se e a lamentar-se sobre a mediocridade intelectual dos estudantes de Letras.

            Na verdade, se as correntes críticas mudam em consonância com os modelos importados, é inegável, no entanto, continuar vigente o tradicional apego a esses modelos. E, tudo leva a crer que os métodos de ensino, ainda não induzem às necessárias e imprescindíveis leituras. O que, nos tempos atuais, ainda se agrava com a possibilidade de obter informações pelos meios eletrônicos que não custam muito e satisfazem àqueles que não se recusam a uma produção intelectual exatamente igual à dos demais.

            Assim, diante do perigo próximo e evidente de continuar a ser o ensino da Literatura essa gigantesca máquina de enganar, de que fala Osman Lins (e os outros cursos universitários dessa “máquina” estariam isentos?), o que somente parece existir é a falta de cautela diante de um futuro, presumivelmente, incerto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário