É
o primeiro livro do poeta e como relata em Confieso que he vivido,
publicado, em 1923, as suas expensas, numa aventura cujo preço foi a venda de uns poucos
móveis e o empenho do relógio que, solenemente, lhe tinha sido dado pelo pai.
No entanto, lhe propiciou muita alegria e um momento, dirá mais tarde, que
nunca mais voltará: Virão muitas edições
mais cuidadas e mais belas. Chegarão suas palavras transferidas na excelência
de outros idiomas como um vinho que canta e perfuma em outros lugares da terra.
Mas, esse minuto em que sai fresco de tinta e terno de papel, o primeiro livro,
esse minuto arrebatador e embriagante, com sons de asas que revoluteiam e de
primeira flor que se abre na altura conquistada, esse minuto está presente uma
só vez na vida do poeta.

Foi
escrito em Santiago, precisamente na pensão da rua Maruri, 513 e os quarenta e
oito poemas que dele fazem parte se abrigam sob cinco títulos – o poeta os
chama de capítulos – sendo “Los crepúsculos de Maruri”, o terceiro e no qual se
inscreve “Saudade”. Palavra (título, também a iniciar o poema e a finalizá-lo)
que, é sabido, não pertence à língua do poeta. Assim, nas quatro estrofes,
constituídas de quartetos de rimas intercaladas, Pablo Neruda procura o seu
sentido. No primeiro quarteto, perguntando sobre um significado que nem os
dicionários empoeirados e antigos, nem outros livros lhe oferecem, lhe atribui
qualidades: a de ser doce e de perfis ambíguos, de ser uma palavra branca. No segundo, ampara-se então,
na palavra alheia (dizem), na emoção
de um amigo, ao pronunciá-la e no terceiro quarteto diz adivinhá-la em Eça de Queiróz, sem perceber-lhe o segredo E, assim, ainda, insatisfeito,
interpela alguém (oiga vecino) na última
estrofe na busca de um significado. Porém, continua sem resposta, preso,
apenas, à sua sonoridade: um tremor
delicado. E a repete, seguida de reticências, fazendo dela, o último verso do
quarteto.
Se
a primeira estrofe do poema, apesar da rima, da sinestesia e da
antropomorfização da palavra, presentes no último verso, está próxima de um
texto em prosa, nas demais, o poeta irá entrelaçar imagens e sugestões com
elementos que serão uma constante nos seus versos: palavras remetendo ao amor,
à natureza, às cores, a um interlocutor, ao próprio sentir. Aproxima da palavra
saudade, também sem mencioná-la, substituída por pronomes, o destino dos amores
distantes que nela se entristecem, elementos do mundo animal, tonalidades (os
azuis das montanhas, dizem que são como ela), um amigo (valorizado pelos
adjetivos nobre e bom e por ser amigo das estrelas) a
nomeia num tremor que também será o seu ao pronunciá-la ( Y me tiembla la boca su temblor
delicado). Nessa atribuição de cor e de mistério, de doçura e de ser
inatingível (comparando-a com a borboleta e o peixe que não se deixam apanhar),
da sensação física a permanecer na boca, a impotência de uma definição. E o último verso é feito apenas da palavra que não
se entrega: Saudade...
Crespulario é palavra inventada por ele, para título desse livro que reúne
os poemas escritos entre 1920 e 1923. Primícias do poeta, ousando expressar a
grande aventura do viver e do sentir – um crepúsculo, perfumes, sons de sinos,
uma reflexão sobre a morte ou sobre o amor ou sobre a passagem do tempo,
lembranças de leituras – já prenunciando essa trajetória que não elude os
motivos poéticos que, também, as pequenas coisas oferecem; já definindo essa relação profunda
com as palavras da qual dará constância no seu livro de memórias. E
estabelecendo esse fio tão tênue – saudade, Eça de Queirós – com Portugal que,
somente muitos anos depois, com os poemas do canto XV, “La lámpara marina”, de
seu livro Las uvas y el viento, irá retomar.
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