domingo, 16 de maio de 2004

Leocádia

            O poema “Dura elegia”, que lhe escreveu Pablo Neruda foi reproduzido em cartões postais Vida de Luís Carlos Prestes: O Cavaleiro da Esperança, São Paulo, Martins, 1947), à mulher, competia casar bem e se limitar ao lar, aos pensamentos do marido, sem se interessar pelo que se passava além das fronteiras de sua casa e em que ler um romance era um ato quase imoral. Mas, Leocádia, queria ler jornal e saber de política; queria ir para a Escola Normal, ser professora e ensinar crianças pobres a ler, enfrentando, nesse afã de participar, de ajudar, os preconceitos do mundo que a rodeava. Igualmente rebelde, o homem com que se casou, Antonio Pereira Prestes, que fugiu de casa aos treze anos para se alistar no exército quando sua mãe, acreditando na superioridade da nobreza, lhe desejava um futuro na corte. Tiveram um lírico noivado nas ruas de Porto Alegre e juntaram num casamento suas rebeldias adolescentes, diz Jorge Amado. Depois, uma vida difícil porque Antonio Pereira Prestes, abatido por uma longa enfermidade, morreu cedo, no Rio de Janeiro para onde se transladara com a família em busca de recursos médicos. Deixou um parco montepio de capitão e cinco filhos, dos quais o mais velho não tinha, ainda, dez anos. Leocádia foi obrigada a trabalhar para lhes prover o sustento, dando aulas de francês e de música para os poucos alunos do bairro pobre onde vivia; ou costurando, quando os alunos rareavam, vestidos de fazenda simples e feitios baratos. Nos seu tempo livre, cultivava o jardim e cuidava dos pássaros, sem permitir jamais que a vida difícil e trabalhosa a desviasse do sonho de fazer de seus filhos pessoas dignas para quem a honra estivesse acima de tudo.
que percorreram o Continente. Contrariando a afirmação dos embaixadores do Brasil que, submissos às ordens superiores, designavam seu filho como um delinqüente comum, Leocádia Prestes viajou pela França, Suíça, Alemanha, Inglaterra, em busca de ajuda para livrá-lo da prisão arbitrária e das torturas a que foi condenado pela ditadura de Getúlio Vargas. E, para, igualmente, salvar Olga Benario, sua mulher e sua neta, ainda bebê, dos cárceres nazistas. Determinação e coragem surpreendentes numa época em que, diz Jorge Amado (

            Quando a marcha revolucionária, sob as ordens de seu filho, se desfez, refugiaram-se, os que dela faziam parte, na Bolívia e, depois, na Argentina. E foi em Buenos Aires que, em contato com os líderes dos partidos políticos, ligados ao proletariado, Luís Carlos Prestes se inicia nos estudos marxistas o que o leva a se filiar ao Partido Comunista Brasileiro e a partir para URSS. Em novembro de 1931, chega a Moscou com a mãe e as quatro irmãs. Um de seus intuitos, aprender o que representavam essas teorias estudadas para a solução dos problemas de seu país que ele almejava fossem resolvidos. E, para isso, retorna ao Brasil, em 1935, incógnito, para preparar a revolução comunista. No Rio de Janeiro, protegido por um forte esquema de segurança e auxiliado por elementos preparados para tal, trabalha sem descanso para por em prática o levante que ordena seja no dia vinte e sete de novembro, às três horas da madrugada. Realmente, diz Fernando Morais em Olga (São Paulo, Alfa-Ômega, 1989) começou às três da madrugada e acabou à uma e meia da tarde, deixando os seus seguidores  na ilegalidade e sujeitos `a uma terrível repressão policial que a traição do Secretário Geral do Partido, tornou sobremaneira eficiente. Luís Carlos Prestes e sua mulher grávida foram presos. 

            Tomando conhecimento, em Moscou, que o filho e sua mulher estavam nas mãos de Filinto Müller, Leocádia decidiu lutar para que fossem liberados. Com a filha Ligia, viajou para a Espanha onde, em comícios, organizados em todo o país, ela pedia, não somente pelo filho e sua mulher, mas por todos os presos políticos do Brasil. Depois, foi a peregrinação a Paris, Londres, Genebra e Munique. Ao saber que a mulher de seu filho havia sido entregue pelo governo brasileiro aos nazistas, viajou a Alemanha para vê-la o que não foi permitido. Tentou recorrer à mãe de Olga Benario, a única pessoa, segundo os nazistas, em condições de ajudá-la a provar a filiação de neta, o que significava lhe evitar a morte. Mas, como relata Fernando Morais, ela não permitiu a Leocádia terminar de dizer o que estava ocorrendo para exigir que se retirasse, respondendo que nada tinha a ver com a comunista presa em Berlim. Restavam, então, os difíceis caminhos pelos meandros burocráticos instaurados pelos nazistas, de aquém e de além mar, a fim de obter os documentos que eram exigidos para ter a guarda da criança. Uma luta ferrenha que iria durar muito tempo e que não fosse pelo resgate da neta das prisões nazistas onde havia nascido, poderia ser considerado inglória, pois não iria conhecer sua nora Olga Benario, morta num campo de concentração e não mais iria rever o filho. Enquanto persistia na trabalhosa e sofrida busca para tirá-lo e a sua mulher e a sua neta das garras nazistas – viajando, pedindo, contratando advogado – Leocádia Prestes também se preocupava em fazer chegar à prisão, pacotes de alimento para a ajudar a amamentação da menina; em preparar um pequeno enxoval; em escrever cartas, que muitas vezes não eram entregues.


            No dia 21 de janeiro de 1938, no presídio de Barnimstrasse, em Berlim, segundo conta Fernando Morais, recebeu a neta Anita Leocádia das mãos da enfermeira-chefe da prisão e ainda com medo de imprevistos que lhes impedissem a saída da Alemanha, partiu, imediatamente para a estação de trem. Contudo, na França ou na Espanha, países em que havia feito a campanha pela liberação de Olga e de Anita Leocádia, sua neta, era visada pela Direita. Diante de uma Europa ameaçada pelo poder nazista em ascensão e a impossibilidade de voltar ao Brasil decide partir com a filha Ligia e com a neta para o México.

            E é no México, quando Olga Benario já havia sido executada no campo de concentração, e mal sabendo do filho, que irá morrer Leocádia Prestes, em julho de 1943. O Ministro da Guerra do México, ex-presidente do país, General Lázaro Cárdenas, pede ao Governo brasileiro, liberdade para que Luís Carlos Prestes assista ao funeral da mãe. Pablo Neruda, que era, então, cônsul no México, intercede oficialmente, junto à Embaixada brasileira. O pedido é negado e o Poeta, indignado como tantos, comparece ao enterro, levando flores e o poema,"Dura elegia" que será publicado na imprensa, no dia seguinte e incluído no livro Tercera Residencia (Buenos Aires, Losada, 1947).
Nele, é louvada por ser a mãe de Luís Carlos Prestes, e também pela coragem, perseverança e firmeza que a conduziram na luta pela vida, pela liberdade de seu filho.

E dirá Jorge Amado: velha mulher de cabelos encanecidos, de rosto marcado pela dor, magnífica figura de mulher, gloriosa na sua velhice, impressionante Leocádia.

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