
A
inquietude advinda de estar em um lugar desconhecido a percorrê-lo entre a
chuva, lama e névoa, dentro de um ônibus (animal
enlameado que se move), num trajeto que lhe parecia não ter fim; a dor de
cabeça e dos olhos que a esmaga, a
aprisiona; o frio, a exaustão. Vivências inesperadas num país em que é, e
permanece estrangeira, (Sinto-me dentro
de nuvens, liquefeita, e o que estarei fazendo a essa hora nesse local
cujo nome ignoro? ,[...] o silêncio
do lago estende-se por toda a região.
Uma cápsula. Estou em seu interior, separado do mundo), mas um país que a
espanta e comove. Espanto e comoção levando-a à perguntas que parece não terem
respostas.
Diante da
informação dada por alguém, que fala de modo inexpressivo, pausado, quase
interrogativo, ela observa essa calma e
essa indiferença no se expressar e se pergunta: Serenidade vinda dos que sabiam trabalhar as pedras, esse tom de voz
seria o mesmo dos construtores de templos e cidades nos ventos da montanha? Em Puno, onde tudo parece se erguer da lama, nascida
de sua cor, de sua umidade, associando um cotidiano à água e à lama, à desolação e à sombra, se indaga sobre que tipo de vida, aí, podem levar as pessoas. Uma vida que a pobreza,
sempre visível, mostra difícil e que a faz, também, se perguntar como conseguem
dinheiro para viver. Na viagem de ônibus para La Paz nota o medo e a apreensão
das índias e presume que, talvez, se deva ao cansaço, ao não poder dormir no
desconforto dos bancos ou à possibilidade constante de perder, nas mãos dos
fiscais alfandegários, o pouco que compraram. Quando, num hotel à beira do lago
Titicaca, aguarda o marido, vê as índias, lá fora, no pátio, que lhe sorriem.
Bordam e mostram, de longe, seus trabalhos: Cânhamo
de cor natural, desenhos ingênuos, intensamente
coloridos. Lhamas, pássaros, flores. Aproximam-se da porta, oferecem,
mostrando o trabalho. Julieta de Godoy Ladeira se dá conta desses mundos que o
vidro separa (na verdade, ele tem menos
importância do que as razões que o determinam): Elas estão ali fora e nós do lado de dentro. Elas sentadas no chão e
nós aqui entre esses móveis, já gastos a partir de sua confecção, mas ainda
assim móveis e portas que separam determinam, classificam. Com que direito?
E, na lembrança de uma parada do ônibus na praça
de verde escasso e maltratado jardim em que as pessoas entram para vender,
de banco em banco colares coloridos e pratos de comida, milho cozido e
mandioca, se insere outra imagem: a do episódio ocorrido no trem para Machu
Pichu, que para no meio do caminho, impedido pelas pedras de um desabamento
sobre os trilhos, num lugar entre a montanha e o rio. De repente, apareceram
crianças vendendo mandioca, milho e batata doce. Uma pequena índia a dizer o preço
em inglês. Julieta de Godoy Ladeira diz ter sentido, naquele momento, de modo vivo, duro, não apenas intelectual,
o que é ser um povo pobre, dependente, dominado por outro poder econômico,
outra cultura. E formula a pergunta crucial, fadada a não ser respondida
nem a curto nem a médio prazo (um otimismo malsão poderá presumir que, algum
dia, certamente, poderá vir a sê-lo)
ainda que atormente a algum ser pensante do Continente: Nós os sul-americanos, continente algemado, terceiro mundo, a classe
que entra e oferece bugigangas para sobreviver, ainda agora, sempre o mesmo,
por tantos séculos, todos trocando alguma coisa por pedaços de espelho, miçangas,
dólares, sempre, até quando?
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