domingo, 15 de fevereiro de 2004

O exemplo

            Em novembro de 2003, foi lançado, em Porto Alegre, o Caderno de Literatura (Ano VII, número 11), publicação da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, AJURIS, constituída, sobretudo, de textos de magistrados gaúchos (embora acolha a contribuição de magistrados de outros Estados e de Portugal). Nas páginas de seu primeiro número, “Visão”, belo e expressivo poema de Jorge Adelar Finatto (um entrelaçar-se ao rio e às terras de Porto Alegre, um submeter-se à condição humana e, também, à esperança), cujos últimos versos podem ser a síntese do que a revista da AJURIS irá representar: um caminho onde a emoção navega. São poemas, contos, relatos, crônicas, comentários de leitura que demonstram a interação da Magistratura com a sociedade da qual ela é parte integrante: Julgadores por missão constitucional, escreve, no sétimo número da publicação, o então Presidente da AJURIS,  Luiz Felipe Silveira Difini, mas, também – e principalmente – homens e mulheres que, na sociedade brasileira, vivem suas vidas, trabalham, amam, lêem, escrevem, riem, choram. O que significa ser a matéria do Caderno de Literatura feita de imaginação, lirismo, lembranças, reflexões, intensamente rica ao expressar emoção e instigante nos textos que traduzem preocupações sobre as distorções sociais – e a pobreza e a injustiça e o alijamento – que emergem sem travas.

            E, o render um tributo às Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul, confere, ao décimo primeiro número da revista, significados, sem dúvida, especiais. O romancista Luiz Antonio de Assis Brasil, preconizando que é hora de acabarmos com o infantil preconceito contra a experiência missioneira, experiência que, no seu artigo, delineia; o juiz Adair Philippsen, não deixando esquecer, no poema “Tambores distantes”, os males causados em nome das perenes e imutáveis verdades com as quais os dominadores pretendem, sempre, justificar seus crimes. Assim, lembrar o grito de guerra de Sepé Tiaraju, Esta terra tem dono parece extremamente oportuno num momento da vida nacional em que direitos adquiridos – independente ou não de privilégios – são ameaçados. E, também, num sentido mais amplo, se considerada a postura do país diante das injunções políticas e econômicas que lhe são impostas. Porque o que tem sido dado a ver – e não apenas nos dias atuais, mas, ao longo da sua História – é a perigosa (e ultrajante) facilidade em aceitar orientações alienígenas, advindas de outros hemisférios. O que, hoje, adquire uma importância maior diante do que o atual suposto dono do mundo preconiza como certo e que, mal e mal e muito pouco, é contestado pelos países do Primeiro Mundo e pelos outros (até porque esses nunca tiveram voz). Embora, não sejam desconhecidos os verdadeiros motivos, sob os quais se esconde esse dono do mundo, para clamar razões, nem tão pouco o número das vítimas inocentes, alvos de massacres que somente a razão do mais forte justifica. 

            Daí que esta terra tem dono, exclamação imperativa, reivindicação inconteste, assertiva dolorosa, emitida pelo índio face à agressão irracional e gananciosa dos que chegavam ao Continente deveria ser, no Continente, um conceito vivo e constante, em face de todas as imprudentes debilidades – pequenas e grandes praticadas por cidadãos, não importa qual seja o seu lugar na sociedade – que põem em risco o idioma, a idiossincrasia, as riquezas, enfim, a soberania do país.

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