Em setembro do
ano passado, pela Editora Planeta do Brasil, torna a ser publicado O Louco
do Cati. Quinta edição, consta na sua folha de rosto, sendo, porém, as
anteriores, de outras editoras: da Globo, de Porto Alegre, a de março de 1942,
a primeira; a segunda, de 1979, da Vertente de São Paulo e a terceira e a
quarta (1981 e 1984), da editora Ática, também de São Paulo. Como um aporte
surpreendente, no verso da capa o mapa, feito por Dyonélio Machado, do
itinerário de seu personagem na aventurosa viagem que fez de Porto Alegre ao
Rio de Janeiro e da sua volta aos campos da fronteira do Rio Grande do Sul. Um
desenho que mostra a cuidadosa estrutura da narrativa, cuja espontaneidade,
feita de um tom coloquial, da maestria dos diálogos, da expressividade dos
sinais de pontuação, do vocabulário escorreito, da breve presença das figuras
que, num sábio uso, deixam ver esse narrador maior que foi Dyonélio Machado.
Em
reduzido número, diluídos ao longo do texto, os recursos estilísticos em O
Louco do Cati estão em acorde com a sobriedade da escrita que o
norteia. Assim, as comparações.
Tendo
como primeiro elemento o personagem central do relato, as comparações lhe
determinam o olhar, que dois adjetivos, sonhadores
e profundo, qualificam como diante de
um horizonte infinito; as orelhas que as asas do chapéu dobram para fora, como duas asas; o estado de espírito,
nervoso como um pequeno animal contido;
o sono pesado como uma pedra, o
cansaço que o faz entregar-se como uma
criança; o rosto quieto como tem a
criança quando as mães lhes experimentam
roupas. Referindo-se aos companheiros de viagem, dos quais se separa,
quando voltam para Porto Alegre e ele continua a viagem, a narrativa diz que eram vistos desaparecendo nas dobras oblíquas dos cômoros, como
através uns bastidores. E mais adiante, já presos, viajando no navio para o
Rio de Janeiro, Norberto, que o leva junto, se lembra dos companheiros e o
texto se repete: via-os desaparecendo
atrás dos cômoros como através uns bastidores numa descrição que se
completa: Já pareciam transparentes,
vagos como espectros.... E a palavra espectro irá aparecer em outra
comparação. Na seqüência em que o personagem chega ao hotel com os outros
presos, também liberados, o gerente lhes pergunta a procedência e ele vai
mencionar a Casa de Detenção que ainda o assombrava
como um espectro que nos intimida, nos prende na sua volúpia.
Em relação ao segundo elemento, algumas vezes,
as comparações se atém às atitudes relacionadas às crianças: um olhar de susto como têm as crianças pegadas em flagrante;
um sorriso de animação como se faz com as
crianças que se acompanha até o bonde; o à vontade com que uma das
personagens resolve uma situação, como
uma pessoa grande, ajeitando diferenças
entre duas crianças.
Existem, ainda, os casos das
comparações em que tanto o primeiro elemento quanto o segundo, se constitui de
seres inanimados. A areia batida e úmida
tão lisa como asfalto, as abas do casaco que o vento abana como duas bandeirinhas, o chapéu com sua
copa alta, fendida bem no centro, como um desses pães que antes de ir
ao forno as donas de casa entalham com um gesto fácil e profissional de bordo de mão. Como esta última, igualmente, mais
elaborada, a comparação na seqüência em que é descrita uma parte do presídio. O
primeiro elemento da comparação, numa frase e o segundo, na frase seguinte,
iniciada com o advérbio: À sua esquerda,
na parte que dava pra uma das ruas, corria um enorme muro de proteção. Como a
muralha duma posição fortificada,
– picotado de ameias, interrompido de trecho em trecho por pequenas
casamatas, onde se divisava, àquela hora sombria, um perfil escuro com o seu
fuzil, guardando a cidadela.
Nem pelo seu
número, assaz pequeno, nem pela sua inventividade, assaz modesta, essas
comparações, de per si, não se oferecem, no texto de O Louco do Cati,
como um traço marcante. No entanto,
irão se valorizar no conjunto feito de outros recursos estilísticos, igualmente
parcos, igualmente discretos, para fazer parte desse todo cuja eloqüência
estará, sobretudo, na simplicidade.

Nenhum comentário:
Postar um comentário