Em
1970, pela Editorial Universitária de Santiago do Chile, Mario Benedetti
publicou seus Cuentos Completos, volume do qual fazem parte Esta
mañana y otros cuentos (1949), Montevideanos (1959) e La muerte y
otras sorpresas (1968). Duas décadas de produção, cujo itinerário foi sendo
marcado pela busca do domínio narrativo e pela presença, reincidente, de alguns
temas.
Já
em artigo escrito em 1951, Mario Benedetti – como lembra o crítico uruguaio
Jorge Rufinelli, no Prólogo a Cuentos Completos – afirmava que o conto,
pela sua brevidade e concentração deve ter a força de um impacto e que a sua
linguagem deve conter, apenas, o essencial. O que não estava longe da estética
anunciada por Edgar Poe e adaptada por Guy de Maupassant e que Mario Benedetti
irá submeter aos temas que alimentam os seus contos: a solidão, a
incomunicação, o deterioro das relações amorosas, a fatalidade, a morte.
Em
La muerte y otras sorpresas, volume constituído de dezenove contos, o
tema da morte irá reger onze deles. Como ponto de partida do relato que se
constrói a partir de uma perda e será, principalmente, revelador de
sentimentos. Ou como inesperado desenlace. No primeiro caso estão “Todos los
dias son domingo”, “Réquiem con tostadas” e “Datos para el viúdo”.
“Todos
los dias son domingo” tem como tema, sobretudo, a solidão e, apenas, no diálogo
entre o viúvo e seu amigo é feita referência à perda: Hoje faz quatro meses. – Sim. – Vou ao cemitério. Mais adiante, o ritual da visita ao túmulo com as
consabidas flores. Igualmente sobre a solidão e sobre a degradação de afetos é
o conto “Réquiem com tostadas”, monólogo de um menino cuja mãe foi assassinada
pelo marido o que é dito, somente, na parte final do relato, primeiro com o
verbo matar, depois com a expressão mamãe está morta. Inicia-se
com o velório, o marido a receber as condolências, depois, a visita de um velho amigo da mulher a filosofar sobre a solidão e a refazer uma
história de amores desencontrados, é o conto “Datos para el viúdo”.
Em
histórias que, aparentemente, não se relacionam com a morte, ela, no entanto,
aparece nos contos “El cambiazo” e “El altillo” num imprevisto final. Um cantor
popular, uma adolescente, sua inconteste e alienada admiradora, filha do
coronel chefe de polícia, o prisioneiro a quem ele tortura se mostram em breves
cenas que, embora contendo indícios para tal, não levam a prever a surpresa
desse tiro que irá atingir o coronel e cuja razão está no verso que o cantor
espalha pela cidade na sua canção e que prega a mudança, “el cambiazo” que dá o
título ao conto. “El altillo” é o relato, em primeira pessoa, de um rapaz
excepcional que fala sobre o desejo enorme que sempre teve de possuir uma
água-furtada o que irá conseguir. Tem, já, vinte e três anos quando recebe a
visita de um amigo de infância que o deixa desconfiado. Então, ele o mata, ação
que é sugerida pela onomatopéia Paf
e, logo, pelo eufemismo A luz está acesa,
o foco de cem velas, mas tenho a certeza de que não incomoda Ignácio porque
antes de descer eu disse perdão e lhe fechei os olhos.
Igualmente
com um inesperado desenlace, ainda que previsto pelo título, o conto “La
muerte”. Na primeira frase, Convém que te
prepares para o pior, a morte é anunciada e da possibilidade que aconteça
se fará o relato: o espanto e a tristeza de se saber gravemente doente,
possivelmente, condenado e sem esperanças. Porém, quando ela chega, de repente,
não é mencionada no relato que diz desse foco de luz, enorme, cada vez menor,
perto dos olhos do personagem que nunca
mais irão se deslumbrar.
Diferente de
todos os outros, a se afastar desse mundo real e cotidiano, no qual Mario
Benedetti situa os seus contos, “Acaso irreparable” e “El outro yo”. Em “Acaso
irreparable”, a narrativa se atém aos sucessivos adiamentos de um vôo,
originando idas e vindas do personagem ao hotel para, na última linha, sugerir,
pelas palavras de um jovem que recém desembarca e resulta ser o filho, já moço,
do personagem, sobre quem se centra a narrativa, que já havia morrido há muito
tempo atrás, num acidente aéreo. Algo semelhante se passa em “El outro yo”. Em
Armando coexistem dois “eus”, um dos quais se suicida. Depois do primeiro
impacto, tal morte resulta vantajosa para o outro. Contudo, ao sair de casa e
se encontrar com os amigos, sua presença não é percebida por eles que passam,
comentando: Pobre Armando. E pensar que parecia
tão forte, tão saudável.
Entre esse
narrar, onde o tema da morte é o “grande motivo” e entre os vários recursos que
os constroem, nesses contos que, por vezes, alojam algum modismo, algum modelo,
se revelam inigualáveis aprimoramentos. E o mais digno de nota é aquele que faz
lembrar o nouveau roman e que torna “Para objetos solamente” uma pequena
obra-prima: menos de quatro páginas impressas (entre as quais se intercalam
outras duas, em letras manuscritas) em que, somente, são relacionados os
objetos constantes de um quarto e, a partir deles, o perfil de seu habitante e
a história amorosa que o impede de viver.
O indício do que acontecera aparece nas
primeiras linhas do conto e subordinado a uma suposição: se alguém apenas
olhasse – abstraindo-se dos outros sentidos – para o interior do quarto e
decidisse fazer um inventário do que nele existe, veria os móveis, revistas, um
livro e um calendário com três anotações. Também os detalhes que revelam o nome
do morador, sua profissão, seus gostos e leituras, seu relacionamento com
Beatriz, que assina a dedicatória do retrato e, com a qual, como consta no
calendário, ele tem um encontro marcado. E completando o inventário, somente
perceber o pequeno fogão a gás, sobre o qual não há nada e cujos botões estão
virados, um para a direita, outro para a esquerda. E o homem jovem, deitado,
imóvel, sem o menor movimento de respiração. Logo, o pedaço de papel rasgado ao
meio, manuscrito, parte de outro também jogado no chão, perto do armário. Sua
leitura dirá dos sentimentos de Fernando, Beatriz e Manuel e da razão que levou
um deles ao suicídio.
Um texto que
na sua inusitada forma tipográfica, objetividade de linguagem, hábil e
inopinado desfecho se mostra, também – e sua brevidade não é para isto um
obstáculo – delicado esboço dos mistérios que pode conter o amor e seus
sofrimentos.
Tais solidões,
tais amores fanados, o inexplicável, a fatalidade são angústias que se
expressam na procura que Mario Benedetti empreende para entender o que, talvez,
seja o irremediável interrogante para os humanos.

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