São três vozes
narrativas: a do menino, de sua mãe e do avô que, na pequena sala onde velam o
corpo, contam de suas próprias vidas e de retalhos da vida desse morto que foi
condenado – como Polinice da Antígona de Sófocles – a ficar insepulto.
A
primeira frase de La Hojarasca (Buenos Aires, Sudamericana,1973) é a do
menino, tão pequeno, embora conste que tem quase onze anos, que a mãe ainda o
veste com a roupa de domingo para ir ao velório, lhe amarra o cordão das
botinas e, sentado na cadeira, seus pés não tocam o chão: Pela primeira vez eu vi um cadáver. Irá descrever-lhe o rosto e,
assim, anunciar a causa da morte que só, mais adiante, será mencionada pela
mãe, se referindo às palavras do pai – O
doutor se enforcou esta madrugada – e
pelo padre ao determinar que não seja enterrado no cemitério um homem que se
enforcou. Logo, observa os homens trazendo o caixão, pois chegaram na casa
quando o morto, todavia, jazia na cama, como o levantaram pelos ombros e pelos
pés, um dos quais estava sem sapato, para colocá-lo dentro dele onde já haviam
posto uma camada de cal. Também, como estava vestido e no caixão, parecendo
mais a gosto, mais tranqüilo com o perfil suavizado e dando a impressão de já
se sentir no lugar que, morto, lhe correspondia. E, ainda, que o avô foi
recolhendo alguns objetos – um livro, o sapato que faltava – para por dentro do
caixão antes de fechá-lo. Porém, o jeito de ser do morto, a sua chegada a
Macondo para ficar, o repúdio que depois lhe votou a cidade e o compromisso
assumido, por gratidão, de enterrá-lo, assim como as providências que tomou
serão contados pelo avô, nesse tempo transcorrido entre a hora em que os três
chegaram na casa e aquele em que a porta é aberta para a saída do féretro. Uma
história feita de mistérios (nunca lhe souberam o nome, a nacionalidade e se
efetivamente era médico), de reais ou fictícios desencontros amorosos. E de uma
solidão tão grande que só poderia caber na morte. Que o povo de Macondo, a quem
fraudara se recusando a atender-lhe os feridos, dizendo, sem mesmo abrir a
porta, que os levassem a outro lugar porque havia esquecido tudo que sabia,
deseja, sem piedade, condená-lo a apodrecer entre paredes.
As vozes se alternam, permitem que se elevem as de Meme,
de Adelaida e, apenas, nas últimas páginas do romance é que o menino irá
completar o relato dos derradeiros trâmites para o enterro: por fim o
consentimento da autoridade, o ato de abrir a porta da casa e de pregar o
caixão com o martelo, ferindo a madeira
por seis vezes consecutivas. E perceber na rua o pó brilhante e ardente,
na calçada fronteira, os homens com os braços cruzados, no ar o canto do
escorpião. Levantado pelos quatro homens, o ataúde, flutuando na claridade como se estivessem levando para enterrar um navio morto.

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