No
ano de 2001, Armindo Trevisan publicou, pela Mercado Aberto, de Porto Alegre, A
serpente na grama, coletânea de poemas que se abrigam sob a rubrica do poeta
William Carlos Williams: Deixe a serpente esperar dentro da grama, que as frases sejam de
palavras lentas e ligeiras, prontas para atacar,
calmas na espera, insones. Poética reafirmada por Armindo Trevisan nos
conselhos “A um jovem poeta” que encerra o livro e cujos dois primeiros versos, Não escrevas
um poema enquanto teu coração / arde. Deixa que a emoção arrefeça, ditam o
que Horacio Quiroga, também preconizara, no início do século, para o conto. O
resultado dessa emoção, trabalhada pelo intelecto, serão esses versos lineares,
austeros a cantar o amor, a desenhar espaços, a testemunhar o contemporâneo, a
esboçar perfis. Poemas cujos títulos, quase sempre, remetem a quem é deles a
razão. Ou numa evidente homenagem como “Três poemas a Freud”, “Seis poemas à
memória de Brecht”, “Pequeno réquiem para Federico Fellini”, “Homenagem a Jorge
Luis Borges”. Ou, simplesmente, apondo um nome ao poema: “Gramsci”, “Rothko”,
“Ticiano”, “Rembrandt”, Mondriam”, “Pirandello”, “ Mahalia”. Algumas vezes, no
entanto, o título genérico – “Poeta”, “Ensaio”, “O Arquiteto”,
“Aniversário”, “a Duquesa”, “Discurso
sobre a dignidade do homem”, “Réquiem italiano”, “A rainha”, “Necrológio”, “
Salmo 14” –que somente terá sentido quando completado pelos versos que
remetem a Konstantinos Kaváfis,
Montaigne, Gaudi, Yeats, Duquesa de Alba, Pico, Pier Paolo, Leonor de
Aquitânia, Yánnis Ritsos, Pedro Almodóvar. Uma galeria de personagens que algum
gesto ou vontade define: a grandeza de Ticiano que submete o Imperador a
levantar-lhe o pincel do chão; a simplicidade de Freud a acariciar, diante de
um jornalista, um arbusto; a vontade de Pirandello de ser exposto nu após a
morte; a Duquesa de Alba a albergar em seus domínios a Monges cegos, órfãos / e uma matilha de cães vagabundos. Ou que são
definidos por uma referência à tragédia que lhes marcou a vida: o corpo de Pier
Paolo Pasolini sendo pisado pelas rodas do automóvel, depois de assassinado; a
punhalada que feriu Yeats num bar de Londres; o câncer a consumir a vida de
Konstantinos Kaváfis. Ou, ainda, pela arte de que são mestres: Mondrian a engaiolar a metrópole, Mahalia Jackson
gemendo, chorando, rindo, / sofrendo,
delirando, orando como uma embriagada,
Rothko violando com um pé de cabra, / as
portas do infinito.
Homenagens
que, por vezes, parecem presas à linguagem da lógica, quase sempre à da emoção,
traduzindo uma relação do poeta – a desejar ir a Semmerling, nos Alpes
Austríacos, onde esteve Freud ou conhecer Konstantinos Kaváfis, á luz de um ícone desfigurado, ou
entrelaçar inquietudes, bebidas em Pedro Almodóvar e Fellini – num itinerário
cujos meandros se fazem na riqueza de um visão de mundo, alimentada de cores,
de formas, de sons, de idéias.
Rembrandt
é o artista das cores: dourados de coroas
antigas, rubros / de auroras mortas, azuis / que fogem a distâncias
montanhosas; / verdes, cujo segredo só as folhas / disfarçam junto a girassóis lacrados. Ticiano, o que bebeu com os olhos / a luz dourado do sol
e Rothko, pintor das cores de penugem de pêssego. De
Mondrian, é retido o traço que imobiliza, na tela, a dança; de Mahalia Jackson,
o som de sua boca de onde jorram flechas
e plumas; de Freud, esse entender palavras
luminosas e insensatas; de Gramsci, o direito que pregou: o direito de estar de pé, e de mãos libertas / ocupar o cérebro com idéias
de justiça.
Armindo
Trevisan interroga, se interroga. Talvez ou certamente, tenha dúvidas nas suas
certezas. E, receptivo ao que as outras artes são passíveis de lhe oferecer,
ele constrói um universo poético que se abre para outros universos, profundamente individual e ricamente
multifacetado

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