Meu dever é viver, morrer, viver.
Pablo
Neruda.
Em 1969,
dois anos antes de receber o Prêmio Nobel, Pablo Neruda publicou, pela Losada
de Buenos Aires, Fin de mundo. Além do que o poeta intitula “Prólogo”, constituído de um poema, a
coletânea é feita de onze partes. São poemas que falam da solidão, da
incompreensão dos homens, suas traições e mentiras, da incomunicabilidade que
os desune, de seus desterros e sofrimentos e morte. Da violência da natureza –
o mar a invadir a terra, a terra a explodir na cratera de um vulcão – e da água
,do vento,da terra,dos animais. Do amor e da morte, de suas relações com o mundo e com seus poemas. Entre eles, os que justificam o
título Fim de mundo, exprimindo as inquietudes diante de um tempo que
ele sente carregado de negros presságios, em acorde com o que já aconteceu no
século XX que chama o século da
agonia. Já nos primeiros versos, indaga
sobre o momento em que vive, se nele haverá uma escolha entre a revolução e a mentira
patriarcal. Mas, logo lhe vem a certeza da agonia que se instaura na busca
da verdade e da paz; do medo em falar o que é passível de comprometer; das
vítimas dos calabouços e dos fornos crematórios; da ânsia de fugir da Bomba (homens,
insetos queimados ) e da vergonha de ser homem igual ao desintegrador
e ao calcinado. E, na convicção de que os países continuam fabricando
ameaças e guardando-as no armazém da morte, novamente, uma pergunta: E outra vez, outra
vez / Até quando outra vez? Porque Pablo Neruda não esquece a Primavera de
Praga (a neve salpicada pelas feridas dos mortos), a Guerra da
Espanha (os punhais deixaram um milhão de ausentes), a Segunda Guerra
Mundial (um milhão entrava por um forno e se convertia em cinza),
as Guerras coloniais (com as colônias rebentando / como negras frutas podres
/ na escravidão do suor), a Guerra do Viet Nam (a quebrar todos os
cristais, / a queimar crianças com napalm), a morte do Che (O
comandante terminou / assassinado num barranco) e de Bem Bella, Bem Barka,
Lumumba, condenados por verdugos invisíveis.
Tampouco
esquece a s vítimas anônimas que desapareceram deixando no mundo um sapato
queimado, um brinquedo, um chapéu caído. E no
tristíssimo século, o século dos
desterrados, o século pardo , o século que faz cem anos / a picotar olhos
feridos / com suas ferramentas de ferro / e suas garras condecoradas,
ainda que, se permitindo dizer do amor, da amizade, da sua meninice, da ternura
para com as coisas, da feitura de seus versos, lhe seja imprescindível o
testemunho: Eu contei as mãos cortadas / e as montanhas de cinza / e
os soluços separados / e os óculos sem olhos / e os cabelos sem cabeça. E, assim,não cala diante desse mundo
indesejável e virulento.
Por vezes, dele foge o poeta, a se refugiar em sonhos e
fantasias: corre atrás de um relâmpago, deseja ser em oura vida uma
gota vermelha do mar ou deseja viver, entre as pedras, ao lado de uma
lagartixa. Breves e efêmeras tréguas pois ao buscar-se a si mesmo acaba,
sempre, de volta ao mundo dos homens.
Não nos façamos ilusões
Nos aconselha o calendário,
Tudo continuará como antes
A terra não tem remédio:
Em outras regiões celestes
Há que procurar alojamento.
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