domingo, 30 de setembro de 2001

Fim de festa


                                               Meu dever é viver, morrer, viver.
                                                                              Pablo Neruda.
            Em 1969, dois anos antes de receber o Prêmio Nobel, Pablo Neruda publicou, pela Losada de Buenos Aires, Fin de mundo. Além do que o poeta intitula  “Prólogo”, constituído de um poema, a coletânea é feita de onze partes. São poemas que falam da solidão, da incompreensão dos homens, suas traições e mentiras, da incomunicabilidade que os desune, de seus desterros e sofrimentos e morte. Da violência da natureza – o mar a invadir a terra, a terra a explodir na cratera de um vulcão – e da água ,do vento,da terra,dos animais. Do amor e da morte, de  suas relações com o mundo e com  seus poemas. Entre eles, os que justificam o título Fim de mundo, exprimindo as inquietudes diante de um tempo que ele sente carregado de negros presságios, em acorde com o que já aconteceu no século XX que  chama o século da agonia.  Já nos primeiros versos, indaga sobre o momento em que vive, se nele haverá uma escolha entre a revolução e a mentira patriarcal. Mas, logo lhe vem a certeza da agonia que se instaura na busca da verdade e da paz; do medo em falar o que é passível de comprometer; das vítimas dos calabouços e dos fornos crematórios; da ânsia de fugir da Bomba (homens, insetos queimados ) e da vergonha de ser homem igual ao desintegrador e ao calcinado. E, na convicção de que os países continuam fabricando ameaças e guardando-as no armazém da morte,  novamente, uma pergunta: E outra vez, outra vez / Até quando outra vez? Porque Pablo Neruda não esquece a Primavera de Praga (a neve salpicada pelas feridas dos mortos), a Guerra da Espanha (os punhais deixaram um milhão de ausentes), a Segunda Guerra Mundial (um milhão entrava por um forno e se convertia em cinza), as Guerras coloniais (com as colônias rebentando / como negras frutas podres / na escravidão do suor), a Guerra do Viet Nam (a quebrar todos os cristais, / a queimar crianças com napalm), a morte do Che (O comandante terminou / assassinado num barranco) e de Bem Bella, Bem Barka, Lumumba, condenados por verdugos invisíveis.

            Tampouco esquece a s vítimas anônimas que desapareceram deixando no mundo um sapato queimado, um brinquedo, um chapéu caído. E no tristíssimo  século, o século dos desterrados, o século pardo ,  o século que faz cem anos / a picotar olhos feridos / com suas ferramentas de ferro / e suas garras condecoradas, ainda que, se permitindo dizer do amor, da amizade, da sua meninice, da ternura para com as coisas, da feitura de seus versos, lhe seja imprescindível o testemunho: Eu contei as mãos cortadas / e as montanhas de cinza / e os soluços separados / e os óculos sem olhos / e os cabelos sem cabeça.  E, assim,não cala diante desse mundo indesejável e virulento.

            Por vezes,  dele foge o poeta, a se refugiar em sonhos e fantasias: corre atrás de um relâmpago, deseja ser em oura vida uma gota vermelha do mar ou deseja viver, entre as pedras, ao lado de uma lagartixa. Breves e efêmeras tréguas pois ao buscar-se a si mesmo acaba, sempre, de volta ao mundo dos homens.

Não nos façamos ilusões
     Nos aconselha o calendário,
       Tudo continuará como  antes
  A terra não tem remédio: 
   Em outras regiões celestes
                                                              Há que procurar alojamento.

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