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Dona Gracinha
vendeu a fazenda, vendeu os escravos, e
só ficou com nós duas, que ninguém quis comprar. Josué Montello.
Os tambores de São
Luis.
E, a
pretexto de lhes mostrar a cidade, Dona Gracinha levou-as da fazenda
para São Luiz. Deu uma volta e deixou-as na praça, dizendo que já voltaria.
Embarcou no navio para Belém. Era o que se fazia no Maranhão, antes que o
Senador Souza Dantas, Presidente do Conselho de Ministros, declarasse: Ocorre ainda uma
providência, que o Gabinete julga de inteira eqüidade e oportunidade: a
libertação dos escravos
que tenham atingido e atingirem a idade de sessenta anos. Intenções, logo
revertidas na Lei que seria de grande valia para os senhores de escravos. Gastos
nas longas jornadas de trabalho os escravos velhos pouco renderiam, além de
ocasionarem as despesas para a sua, ainda que miserável, manutenção. Com a lei
do sexagenário, bastaria, ao dono, apenas, abrir as portas e mandar embora aquele que
trabalhara a vida inteira e se deparava, de repente, livre para sofrer fome e
frio. Mas, antes disso, ainda poderia
sugá-lo, durante três anos, a título de indenização pela sua alforria porque assim o permitia a lei proclamada em 1885.
Lei acintosa, diz Sousândrade, ao
personagem Damião, o negro que, numa caminhada comprida para chegar à casa da
bisneta, prestes a dar a luz, sem pressa, vai percorrendo as ruas da cidade e
revivendo episódios de sua vida, enovelada ao sofrimento e às lutas para mudar
a situação dos negros.Numa de suas lembranças,vê-se a visitar o poeta, na vida ficcional que lhe dá Josué Montello no seu
romance Os tambores de São Luis
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira) . De redingote escuro sobre as calças
listradas, os
olhos mansos, a fala suave, já, o homem solitário, com a dupla fama de sábio e de lunático, pronto a se indignar com uma lei – é uma iniqüidade, nunca vi escárnio igual – que à semelhança de tantas outras
espalhadas pelo país, existem, apenas,
para o proveito de alguns.
Gastos
pelo trabalho
servil, os negros velhos já pouco renderiam a seus senhores que tinham a
obrigação de lhes dar casa e comida, além de pagar por eles os tributos
exigidos pelo Governo. Daí quererem estes se livrar desses cativos, dando-lhes
de bom gosto a liberdade. Deixá-los-iam nas estradas, para que tomassem o seu
rumo, com a trouxa ao ombro. Ou despejá-los-iam nas cidades, para que morressem
por lá. Eram livres, com a carta de alforria passada em cartório.
Damião,
testemunha no dia a dia de São Luiz do Maranhão o sofrimento desses negros velhos, de carapinha branca
a tirar do corpo cansado a energia para baldear fossas sanitárias ou abrir covas no cemitério, aceitando tarefas
que excediam as suas pobres forças. Ou a esmolar, a embebedar-se ou a roubar.
Fugindo de seus senhores ou alforriados, a liberdade, para eles, se oferecia,
somente, como um outro aspecto da sua vida de misérias.
Enquanto
isso, muitos senhores, antecipando-se à abolição do cativeiro, iam dando liberdade
aos seus escravos, coonestando assim com um belo gesto as fugas em massa que
não tinham conseguido conter.
Alguns,
eram por isso agraciados, pelo Império, com o título de Barão.
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