Em abril de 2000, pela
Alfaguara, foi publicado La fiesta del chivo de Mario Vargas Llosa, cuja
capa reproduz um fragmento da Alegoria de un mal gobierno de Ambrogio
Lorenzetti, num projeto gráfico de Enric Satué. No mesmo ano, apareceu, no
Brasil, pela Mandarim de São Paulo, traduzido por Wladir Dupont. Na capa, o
mesmo fragmento de Ambrogio Lorenzetti, a mesma composição em linhas paralelas,
diferindo, apenas, a disposição das informações (título da obra, nome do autor
e da casa editora) e a cor das tarjas em que elas estão posicionadas.A autoria
desse projeto gráfico (ainda que a meias, pois a escolha da ilustração é de
Enric Satué) é de Daniel Rampazzo. Antecedendo o texto, uma breve nota do
editor explica o título do romance, originado de uma festa popular que ocorre
em vários países da América hispânica quando se comem bodes assados, se bebe e
se dança. Sendo chivo (bode) o apelido de Rafael Leônidas Trujillo Molina, o
“general” que durante trinta anos tiranizou Santo Domingo, a sua morte
originará a festa da libertação. Morte que vai sendo anunciada na preparação do
atentado cuja narrativa se entremeia com aquela que dá conta das últimas vinte
e quatro horas vividas por Trujilo e com a que vai fazendo Urania, dominicana
que volta a seu país para acertar contas consigo mesma, trinta anos depois de
ter partido para os Estados Unidos. É desse retorno que trata o primeiro
capítulo do romance.
De manhã cedo, Urania
sai do hotel e caminha pelas ruas centrais da cidade. Seu olhar vai percebendo
as mudanças sofridas, provocando as lembranças de uma infância abruptamente
truncada pela atitude canalha do pai. E é para a casa, onde velho e doente, ele
vegeta, cuidado por uma enfermeira, que seus passos a levam. Nessa dezena de
páginas que constituem o capítulo, o relato é feito numa linguagem chã e
despretensiosa, em nenhum momento enriquecida por quaisquer recursos
estilísticos ou por esses “achados” de estilo, surpreendentes e únicos,
próprios dos grandes escritores. Razão suficiente para tornar inaceitável os
desvios – acréscimos, eliminações, mudanças de tempos verbais e substituições
de palavras – que povoam a tradução. Assim, no texto em que Urania se lembra da
satisfação do pai em sabê-la excelente aluna. No original, ele se vangloria
diante de seus amigos da filha estudiosa, dada como exemplo pelas freiras do
colégio. Na tradução, foi acrescentado o adjetivo orgulhoso para
qualificar o pai, adjetivo que, embora não atraiçoe o sentido da frase, nada
lhe acrescenta, pois o sentimento de orgulho já esta implícito no verbo
jactar-se do original. Noutros casos, porém, o acréscimo resultou em
modificação do sentido. Ao falar do número de habitantes da cidade no momento
em que a deixou, Urania diz que abrigava trezentas mil almas. Em português, foi
acrescentado um artigo indefinido (abrigava
umas trezentas mil almas) o que, evidentemente, anula a precisão contida no
original. Outro acréscimo a mudar o sentido do texto é o advérbio talvez
na frase em que Urania acha a cidade mais
calada, menos frenética e que na tradução aparece como talvez fosse mais silenciosa, menos frenética.
Ou quando o texto original fala de uma calçada
quebrada e a tradução de uma calçada toda quebrada.
Constituindo-se
pequenos deslizes, como introduzir uma interjeição no início de oração; ou algo
mais comprometedor como inventar um Afinal
o Chefe numa frase em que o sujeito embora esteja oculto é conhecido, pois
claramente mencionado em linhas anteriores, um ou outro acréscimo se justifica:
quando busca tornar mais clara uma expressão. É o caso da seqüência em que
Urania caminha depressa, reconociendo los
hitos. Na tradução, foi acrescentado da
cidade para completar o sentido da expressão marcos, que sem ela
seria, sem dúvida, menos compreensível.
Na
verdade, são algumas liberdades que o tradutor se permitiu que, certamente, não
chegam a estabelecer grandes distâncias entre um texto e outro. Porém, se a
elas se acrescentam outras – as que se relacionam com a eliminação de palavras
ou expressões, por exemplo – as imperfeições já não poderão ser tão facilmente
desculpáveis.

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