domingo, 6 de maio de 2001

Nos meandros da tradução (2)


             La fiesta del chivo, o longo romance de Vargas Llosa, publicado pela Alfaguara no ano 2000, nesse mesmo ano apareceu no Brasil numa edição da Mandarim de São Paulo. Trata-se de uma narrativa sem surpresas embora o romancista peruano use o recurso de construí-la em três tempos. Num deles, o relato é centrado na figura de Urania, dominicana que volta a seu país por um tempo muito breve e vai relembrando o seu passado nessa caminhada que faz pelas ruas da cidade até a casa do pai com quem se reencontra após trinta anos de silêncio. No outro, o relato se ocupa do último dia de Rafael Leônidas Trujillo Molina, desde o seu despertar, pontualíssimo, às três e cinqüenta até o derradeiro gesto, tentando se defender quando uma ráfaga de metralhadora o atinge no meio do percurso para San Cristobal. No terceiro, trata-se da espera pelo carro de Trujillo no trajeto conhecido por aqueles que planejaram o atentado que lhe tirou a vida.

            Igualmente sem surpresas é o seu texto que se presta, então, facilmente, à reprodução em outro idioma. No entanto, comparando o texto original com o seu correspondente em português, notam-se vários tipos de desvios que não foram condicionados  pela estrutura lingüística de um ou outro texto:   mudança de tempos verbais, acréscimos ou substituições de palavras, eliminações de outras. No caso das eliminações de palavras, na verdade, elas não sobressaem pelo seu número - no primeiro capítulo, bastante restrito – mas pelo fato de não deixar de ser curioso que palavras sejam eliminadas, ocasionando mudanças de sentido, sem que haja um motivo plausível para isso. Assim, ao registrar os odores que impressionam Urania ao caminhar pelas ruas da cidade, o texto espanhol fala de un aroma denso, indefinible,  tropical, a resinas y matorrales en decomposición. Esta última expressão, sendo eliminada do texto português  faz do aroma algo de agradável o que parece não ter sido a intenção do autor ao usar a expressão en decomposición.  Na mesma seqüência, onde o texto espanhol registra que chisporrotean dos sartenes, o texto português elimina a precisão do original ao registrar crepitam frigideiras que pode, ser, nesse plural, muito mais do que duas. Mais adiante, quando Urânia se interroga sobre essa opção de voltar à ilha depois de  ter jurado nunca mais nela por os pés, a frase em espanhol diz que ela quer provar a si mesma  poder caminar por las calles de esta ciudad que ya no es suya. Em português, foi eliminado o advérbio   ( andar pelas ruas desta cidade  ) e com isso, levando à mudança de sentido  pois no original a cidade foi de Urânia e não é mais o que é diferente de não ser sua cidade e nunca ter sido.

            Como em vários outros casos do primeiro capitulo,   essas eliminações aparentemente, se constituem breves falhas que não chegam  a distorcer, em  profundidade, o sentido primeiro  do texto. São, no entanto, dignas de nota por se mostrarem gratuitas.  E, aliadas às eliminações e, sobretudo, às substituições   de palavras,  se constituem inaceitáveis opções diante do  texto que, expressão do autor, assim, deve ser respeitado.

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