Tinha
sessenta e oito anos e, aos sete, chegando da Espanha para viver em Arequipa,
seu pai a colocou no Convento de Santa Rosa para que ali fosse educada. Dele, não mais sairia. Anos mais tarde, Madre
Superiora, dirigiria o Convento das Carmelitas, com mão de ferro. Abrirá suas
portas para receber quem pede asilo, quando do perigo de uma invasão militar na
cidade. E, assim, a família de Flora Tristan irá aceitar o refúgio de sua
hospitalidade.
No
livro Peregrinações de uma pária
(que a Editora Mulheres de Florianópolis e a EDUNISC de Santa Cruz do Sul
publicaram no ano passado), em que a francesa Flora Tristan relata a sua viagem
ao Peru, esses poucos dias, passados entre os muros do Convento, lhe permitem
observar a vida que lá dentro transcorre e que a deixa impressionada até a incredulidade, a partir do momento
que ali faz a sua entrada. Eram cerca de sete horas da noite quando a sua
família, por uma escrava, se fez anunciar. Na porta do Convento, foram
recebidas por algumas religiosas e, seguindo o cerimonial exigido pela
etiqueta, conduzidas à cela da Superiora que se encontrava enferma. Perto
dela, nos degraus que davam acesso ao estrado sobre o qual estava o leito,
várias religiosas hierarquicamente
colocadas. Uma hierarquia que lhes norteia a vida: uma religiosa nobre,
despreza a religiosa plebéia; uma religiosa branca, despreza a religiosa de
cor; uma religiosa rica, despreza a religiosa pobre. E o contraste, inequívoco,
entre a humildade aparente – vestem-se todas com um hábito igual, dormem no
mesmo dormitório, comem no mesmo refeitório – e o orgulho mais indomável, acompanha a prática dos votos feitos. As carmelitas
se devem ao silêncio e à pobreza. Jamais devem pronunciar outras palavras que
não sejam aquelas ditas quando se encontram: Irmã, devemos morrer cuja resposta será sempre Irmã, a
morte é nossa libertação. Todavia, se nunca se deixam ouvir nos pátios, no
refeitório, na igreja, no dormitório, naqueles lugares onde crêem poder falar
sem violar os votos, elas falam e muito.
Igualmente, pelo voto de pobreza, não deveriam ter mais do que uma
empregada a seu serviço. Porém, muitas
delas, possuem três ou quatro escravas, vivendo no interior do Convento, além
de uma, fora, para comprar o que desejam, levar presentes para os amigos e
permitir, nessas idas e vindas, a comunicação com os parentes. No entanto,
observa Flora Tristan, embora o Convento de Santa Rosa fosse considerado um dos
mais ricos do Peru, as suas religiosas lhe pareceram mais infelizes do que as
de outros. Na verdade, a austeridade de seus hábitos, ultrapassa, de muito, a
de todos os demais de Arequipa. A Superiora, com extremo rigor, lhes impõe uma
vida das mais penosas, continuamente a rezar e a cumprir deveres que a sua
exaltação religiosa exige. Uma exaltação que lhe permitiu com fogo no olhar e energia na voz,
confessar a Flora Tristan: Ai! Minha
querida menina! Agora estou demasiado velha para empreender alguma coisa, meu
tempo já se acabou. Mas se tivesse tão somente trinta anos partiria com você.
Iria a Madri e ali perderia minha fortuna, meu ilustre nome ou, pela morte de
Jesus Cristo que está ali na cruz, juro que restabeleceria a Santa Inquisição.
Palavras
que ecoaram em Arequipa, Peru, no ano de 1836.

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