Fora um alarme
falso. A família de Flora Tristan, francesa que, em 1833, veio ao Peru em busca da herança paterna e que de sua viagem
dá testemunho no livro Peregrinações de
uma pária, (Florianópolis, Editora Mulheres e EDUNISC de Santa Cruz do Sul,
2000), temendo os desmandos de uma invasão militar, refugia-se num dos
conventos de Arequipa, o de Santa Rosa. Um convento onde severas eram as leis e
rígidos os seus hábitos. Embora rico e amplo com seus quatro claustros e seus
três magníficos jardins, cuidados pelas religiosas, nele, o cotidiano é triste
e penoso, submetido à práticas impostas por uma superiora exaltada na sua fé
até um fanatismo que ultrapassa todos os limites da razão.

Os
três dias ali passados cansaram, então, de tal modo as refugiadas que elas preferiram
enfrentar os riscos a que estariam expostas fora dele e voltar para suas casas.
Ao ultrapassar a soleira dessa enorme porta
de carvalho, aferroada e travada a ferro, todas se puseram a correr de
felicidade. Porém, mal chegaram em casa, novo alerta as levou, outra vez, a
procurar abrigo e, desta feita, no Convento de Santa Catalina. Embora também de
Carmelitas, as normas que o regem não
obrigam à vida comunitária, nem à pobreza, nem ao silêncio. Vestem-se as
religiosas com um hábito feito de tecido
muito fino, sedoso e de uma brancura radiosa, habitam celas individuais e
não estão submissas a infindáveis horas de oração. O tempo que lhes sobra, após
aquele, dedicado ao cumprimento das obrigações conventuais, o ocupam a cuidar
de sua cela, de seu jardim e a executar trabalhos de agulha. Com muita alegria,
receberam as visitantes. Em meio a risos e muitas perguntas – queriam saber
como se vestiam as pessoas em Paris, quais suas comidas, se existiam conventos
e, principalmente, o que acontecia em relação à música –, ofereciam bolos de toda espécie, frutas, compotas, cremes [..], numa hospitalidade carinhosa e
pródiga, em acorde com esse espírito que as fazia educar moças pobres, dar-lhes
um dote e, diariamente, distribuir pão e milho e roupa para os pobres.
A
Superiora era boa demais para
aborrecê-las ou contrariá-las. Magra e delicada nos seus setenta e dois
anos, não parecia ter essa idade a não ser pelas mãos e pelo rosto pois a sua
vivacidade se mostrava na conversa, extremamente alegre e brilhante, e no seu
enorme gosto pela música. Daí o órgão da igreja do convento ser muito bonito e,
como tudo o relacionado com a música, especialmente bem cuidado pelas
religiosas. Nos seis dias em que hospedou a francesa e suas tias e primas fez com que se realizasse
cada noite um concerto na sua pequena capela onde três jovens religiosas
executaram ao piano, importado de Londres, belas peças de Rossini. Quando Flora Tristan lhe contou o
que dissera a Superiora do Convento de Santa Rosa sobre o seu sonho de
restaurar a Santa Inquisição, ela, num levantar de ombros e num sorriso de
piedade, respondeu: E eu, minha querida
menina, se tivesse apenas trinta anos,
iria com você a Paris ver representar na grande Ópera as sublimes obras primas
do imortal Rossini. Uma nota desse homem de gênio é mais útil à saúde moral e
física dos povos do que os horrorosos espetáculos dos auto-de-fé da Santa Inquisição
o foram para a religião..
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