Em 1973, a Noguer, de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da verdade histórica, Carlos
Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e criando um dos mais belos e perfeitos
romances da literatura Hispano-americana.
A partir das Crónicas
de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino da
cidade de Barco ,fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do Vice-rei do Peru.
Ameaçado pelos espanhóis do Chile que pretendem o território, quer salvá-la e,
para isso, a muda de lugar três vezes. Mal lhe dá assento pela terceira vez, o
medo de perdê-la o leva a planejar nova mudança. De suas certezas e indecisões,
é feito o terceiro capítulo do romance.
E diz um dos capitães:
Com meus sonhos fiz esta cidade para o rei.
Mas, quando a desmancham para levá-la mais além porque é preciso reconstrui-la,
sempre há uma voz para dizer: a faremos. E o verbo no futuro é uma expressão
que se repetirá e que estará, todas as vezes, acompanhada de entusiastas
adjetivos:
formosa cidade,
cidade e burgo importante e orgulhoso, enorme e luminosa urbe, grande cidade, terrível e grande,
uma cidade maior,
faustosa cidade. Também se irão repetir as reafirmações desse
querer torná-la realidade ainda que, para isso, devam empregar todas as forças
ou destruir os bosques. Porque os entraves para tornar real o desejado – e a
chuva
gelada e
pérfida da cordilheira, e os aguaceiros, e o frio do inverno e os
ventos e o ataque dos índios e as traições dos espanhóis, e os lamentos de
solidão e as lembranças, e a perda das carretas e dos animais nos precipícios,
e o vencer e polir os bosques – parecem não ter
poder, nem
força
para anular vontades. E há quem defina o tempo
: em poucos dias teremos toda a cidade de pé ou
dentro de quatro meses,
antes do verão ou,
dentro de quatro
meses exatos e fatais ou
dentro de duas ou três semanas. Um definir, ampliado em visões que fazem ver
que em trinta anos (ou trezentos), as carruagens estarão a rodar pelas ruas e
os sons urbanos irão se mesclar com
o
amável ruído das saias e dos risos
velados e sensuais. Ou mesmo numa data precisa, o ano de 1570, quando os
que por ela tanto labutaram já estejam magros, grisalhos, nobres e ricos. Também
há os que, desenhando ruas e praças e jardins e os solares decidam as metas:
Poremos as muralhas,
uma bela rua em arco, subindo
as serras,
uma catedral com duas
torres,
um quartel medieval cheio de
baluartes, as casas dos principais
senhores. Ou na cidade, busquem
tranqüilidade
para os corpos e paz para os
espíritos, a alegria de fontes e cascatas, de flores e de sons.
Juan
Núñez de Prado antevê a praça e as flores que chegarão da Andaluzia e da
Holanda – violetas, dálias, crisântemos,
rosas – e nas bandeiras e guirlandas que enfeitarão, com arrogância, as casas;
o padre Carvajal pensa nos gorjeios
celestiais que irão encher a torre da igreja; o capitão Santa Cruz, na
terra dividida, cada Senhor dono de seu rebanho, seus cavalos e seus índios,
nas mulheres trazidas das Ilhas, nas mulatas cozinheiras vindas de Cuzco e de
Arequipa, nas mestiças de Nova Granada e Tenochitlan.
E,
no perseguir o sonho da cidade, os espanhóis, lavrando-a com sangue e com
barro, se exaurem sem se deixar vencer pelas
penúrias, suores e dúvidas e sofrimentos. Acreditando, ainda, numa cidade de casas abertas, agradavelmente
iluminadas, esperando uma alegria.
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