Na
verdade, esse drama amoroso é preterido pela descrição dos tipos (ênfase dada a
Moisés, mulato cuja vida, desde a
infância passara na caça e que vivia entre a diminuta tribo dos guaicañas),
pelo relato das lutas rio-grandenses na época da Guerra dos Farrapos e pelas
elucubrações a respeito do valor dos quero-queros nos embates revolucionários,
dos meandros da justiça, dos preconceitos raciais, das leis da hospitalidade,
do dever da vingança, do resultado dos danos morais na fisionomia. E pelo
cuidado na descrição da paisagem.
O romance se
inicia com o capítulo “Paisagem morta”, título em acorde com a primeira palavra
do romance, o inverno que, num breve texto, o romancista relaciona com o estado
de espírito que origina: O inverno
desatava as madeixas emperladas de gelo, tão triste que magoava o coração e despertava idéias sombrias, como
céus e terras. Alonga-se em reflexões sobre os malefícios dos frios e dos
ventos nas árvores e nas campinas. Então, precisa uma data, 14 de julho; precisa
o momento, o entardecer. E o local: Eram os
campos de Vacaria. Menciona as notações topográficas que lhes determinam os
contornos: ao norte o rio Pelotas, ao sul o rio Taquari, de um lado a Serra
Geral e do outro o Mato Português e um minucioso zelo descritivo faz emergir os
detalhes, os sons dos rios, a silhueta dos troncos desnudos, o mio ora profundo e cavernoso da onça ora estrídulo e agudo da jaguatirica, o solfejo
áspero e atroador do itanha, o piar agoureiro das corujas, o bramido do minuano
[...]. E o frio, e a expressão das rochas e das plantas, o mistério
profundo da natureza adormecida e inerme.
Nessa
paisagem, Apolinário Porto Alegre irá introduzir seus personagens,
descrevendo-os, fazendo-os falar e agir numa narrativa de ritmo veloz que se
abranda ao nela se permearem as digressões do romancista sobre as nuanças do
coração e do espírito humano. E a paisagem mais uma vez está presente, nos
capítulo XII, “A estância de Gil” quando descreve com as mais benévolas
palavras as imensas planícies a perder de vista na beleza de uma alfombra de turmalina, manchada pelas
cores dos muitos rebanhos que abriga. Palavras que se acompanham de outras,
plenas de um ingênuo entusiasmo pela decantada abundância, apanágio da terra
que o romancista chama de abençoada:
lugar em que todos têm o seu quinhão na
distribuição dos bens, onde ninguém
morre de fome, onde os frutos pendem
das árvores seculares, onde os campos pejam-se de armentio sem conta.
Embora, como
diz Guilhermino César no capítulo que lhe dedica em História da Literatura do
Rio Grande do Sul, Apolinário Porto Alegre não se enquadre, perfeitamente,
nos cânones da escola romântica, dir-se-ia que, nessas descrições de paisagem, ora
dizendo das agruras do inverno, a submeter as almas à tristeza ora idealizando
a terra, pródiga, a se oferecer, em frutos, aos homens, o romancista gaúcho
deixa perceber algo desse gosto europeu, advindo das leituras de Alexandre
Herculano e algo de um exagerado ufanismo que tão bem se quadra com suas profissões de fé nacionalistas. Essa fé que o
levou a abandonar caminhos já trilhados para se lançar à aventura – e sabe-se
quão difícil ela pode ser – de querer livrar a expressão brasileira das
imitações européias. Porque no seu entender, não encontrar assunto para uma literatura pátria, vigoroso, escultural
só o espírito deslumbrado pelas novidades estrangeiras.

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