O
romance amazônico é, desde o nascedouro, um romance telúrico, paisagístico, ao
mesmo tempo que social. Em todo ele, seja qual for o autor, além do quadro
físico, que é o fundo de tudo, encontramos a história do homem nas suas
desventuras, nos seus anseios, nas experiências ásperas da vida, na aventura
genésica do seu conflito com a natureza. Arthur César Ferreira Reis.
No
capítulo “Ciclo nortista” de A
Literatura no Brasil (direção de Afrânio Coutinho), considera Peregrino
Júnior que os surtos de literatura regional na Amazônia foram quatro,
sendo que ao primeiro, marcado pela
influência do Naturalismo, pertencem as obras de Inglês de Souza. Quando ele
ainda cursava o quarto ano da faculdade de Direito, no Recife, escreveu O
cacaualista,
publicado, em Santos, em 1876: a
história da decadência da propriedade rural no Baixo-Amazonas. O foco narrativo
é centrado em Miguel, jovem proprietário de um bonito sítio em que se plantava o cacau e se criavam algumas cabeças de
gado, limitada indústria de um proprietário pouco laborioso. Órfão de pai, passa os seus dias na caça e na pesca,
isento de responsabilidades. Mal tem dezoito anos quando percebe as invasões de
suas terras pelo vizinho, o tenente Ribeiro. Move-lhe um pleito judicial que
acaba perdendo, como perde, igualmente, para um forasteiro, a mão de Rita, a
filha de seu desafeto.
Ainda
que a ficção nortista seja sempre profundamente relacionada com a natureza,
constituindo-se o centro da narrativa, nesse romance de Inglês de Souza
aparece, apenas, em breves notas. No entanto, se constitui uma presença cujas
relações com os homens é inegável. Logo, nas primeiras linhas do romance o
autor se refere à casa da fazenda situada bastante
afastada do porto, por causa das
enchentes, tendo de um lado o campo a perder de vista e o cacaual servindo
de limite com as outras propriedades. Algumas páginas depois, o cacaual à
noite, com o sibilar das cobras e o uivo da onça. Freqüentemente mencionado, o canto dos pássaros – a
saracura, a guariba, os papagaios, as ciganas, os japiins ou o grito agoureiro
do acauã – se insinuando no viver dos
homens tanto como os carapanãs, insetos
malfazejos e as colmeias de marimbondos nos cantos da casa. E o rio. Via
que permite vencer o isolamento em que vivem os habitantes de suas margens. Daí
as diferentes canoas de todas as formas e
tamanhos que trazem e levam as
visitas e, eventualmente, “os foliões” do Divino, com sua bandeira onde figura
uma pomba e um bombo que aportam pelas propriedades ribeirinhas onde cada
família é dona de seu porto, para pedir esmolas. Os donos da casa distribuem
moedas e servem cachaça e as crianças se
agrupam em torno da bandeira e do instrumento musical. E é do rio que tiram a
água para as necessidades da casa, supridas com as cuiambucas que os moleques,
se metendo na água até a cintura, carregam para casa. Também é no rio o banho,
ritual cotidiano não isento de um sentido prazeroso nesse deixar-se ficar na água, nessa
travessia a nado, nessas brincadeiras da meninada.
Nas margens, os pequenos proprietários, isento
de um querer, se deixam viver no marasmo e na pobreza. Inglês de Souza fixa
seus tipos humanos, o modo como se vestem, do que se alimentam, como se
divertem e no que acreditam, desenhando um outro Brasil, plantado entre as árvores
e o rio. Quando, porém, os personagens chegam a Óbidos, situada às margens mais
estreitas do Amazonas, para resolver o pleito das terras, o que irá decidir a
balança da Justiça é o falso testemunho, é a vontade do poderoso. Tombam,
então, todas as diferenças e se reafirma, inalterável e perene e tudo leva a
crer, indestrutível, o perfil nacional.
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