Publicado
no Uruguai, em 1996, esta obra de um experimentado autor de contos, romances e
ensaios, se inscreve no interesse instaurado, já há alguns anos, que, se
enlaçando num personagem da vida real, elabora, sem fugir aos inegáveis fatos
que o conduziram, uma obra de ficção.
No
caso de Delmira Agustini, os mistérios que a envolveram ou em que se envolveu,
são, verdadeiramente, instigantes e passíveis de muitas indagações. Nos ensaios escritos sobre
ela não é raro constar a menção ao seu inexplicável talento poético precoce assim como a crueldade de sua morte aos vinte
e sete anos.
Os
inegáveis fatos: Delmira Agustini nasceu, na cidade de Montevidéu no dia 24 de
outubro de 1896, numa família de classe
média acomodada. Depois de cinco anos de noivado, se casa com Enrique Job
Reyes, dele se separando antes que tivessem se passado dois meses da cerimônia
que os unira. Porém, continuou a vê-lo a sós, na casa de pensão onde ele se
abrigara e no dia 6 de julho de 1914, foi por ele assassinada.
Em Delmira,
Omar Prego Gadea lhe retoma os últimos
dias de vida nos seus sinuosos passos agitados e os ancora numa ficção que, a
semelhança da realidade, se mostra plena de interrogações. Sob a tutela de um texto de Jorge Luis
Borges ( Mais interessante ainda que o
empenho de abreviar e estender o tempo é
o de embaralhar o passado e o futuro) o relato vai-se construindo nesses
conhecidos enunciados em que um fato já ocorrido é apresentado como algo que
irá se realizar como no melhor estilo de Gabriel García Márquez de Crônica de uma morte anunciada ( No dia em que ia ser
assassinada, o 6 de julho de 1914, Delmira Agustini saiu de seu quarto em meio da manhã ...) e em
múltiplos retornos ao passado. Um relato feito de muitas vozes que se
acrescentam à do narrador como as de Zum Felde, Giot de Badet, Aurora Curbelo
Larrosa, Martín Lopez que, tendo privado
com Delmira Agustini, oferecem valiosos aportes a essa história que, alimentada
pela imaginação do narrador e pelos numerosos documentos consultados, não se
deixa deslindar porque nem uns nem outros resultam suficientes para completar
essas zonas de sombras que interrompem o fio narrativo. Uma delas é a maneira
como justificava Delmira Agustini a seus pais, as repetidas horas de ausência
em que saía de casa para se encontrar com o homem com quem se casara e que
repudiara, fugindo de casa. O avô do narrador, por ele inquirido a respeito,
uma vez que havia sido contemporâneo de Delmira Agustini, responde que era algo
impossível de saber e que essa era uma das muitas partes impenetráveis da
história.
Assim,
embora tenha consultado o que sobre Delmira Agustini se escrevera na época,
e tido entre as mãos o seu espólio, muitos anos esquecido num velho baú
de uma antiga casa, e consultado os
autos oficiais referentes a seu divórcio e a sua morte, o narrador parece se
inclinar diante do conselho dado por um amigo, em Paris, sobre o que deveria
fazer em relação ao material que reunia,
visando a elaboração de uma tese: um romance no qual não se esboçassem os
limites entre a ficção e a realidade. Um romance, diz-lhe o avô no qual
episódios sejam inventados, outros se
modifiquem, onde as datas se confundam.
E assim – até porque um tal romance nem poderia ser construído de outro modo – foi feito. As
interpretações, as reflexões, as suposições elaborando-se a partir das notícias de jornal, das cartas
que Delmira Agustini escreveu ou que lhe foram enviadas, das fotos, das incerteza de lembranças guardadas pelos que a
conheceram e que o passar do tempo diluiu entremeando-se às cenas com que a
inventiva ficcional procurou desfazer lacunas na busca de uma verossimilhança
que, a priori, reconhece como inatingível nesse encaminhar-se de Delmira
Agustini para a morte.
E um indecifrável destino de mulher se esboçou, iluminado pelo tecer
habilidoso do texto de Omar Prego Gadea, ainda que ele se tenha rendido às sombras que o rodeiam.
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