Em 1973, a Noguer, de Barcelona, publicou El hombre que trasladaba las ciudades. Sem se afastar da verdade histórica, Carlos
Droguett a refaz, insuflando-lhe vida e criando um dos mais belos e perfeitos
romances da literatura Hispano-americana.
A partir das Crónicas
de la Conquista de América, a narrativa se constrói sobre o destino da
cidade de Barco, fundada por Juan Núñez de Prado, a mando do Vice-rei do Peru.
Ameaçado pelos espanhóis do Chile que pretendem o território, quer salvá-la e,
para isso, a muda de lugar três vezes. Mal lhe dá assento pela terceira vez, o
medo de perdê-la o leva a planejar nova mudança. De suas certezas e indecisões,
é feito o terceiro capítulo do romance.
Disse
Juan Núñez de Prado: viemos em expedição
para fabricar cidades para a Coroa [...]. E Barco só poderá ser, no seu
desejo e na sua obediência, a cidade como a concebem os espanhóis. Com verdadeira paixão, traça-lhe as primeiras
ruas, chama o padre para decidir, no desenho da praça, onde ficará a igreja com
seus sinos de bronze, dominando os ares. Será com as portas voltadas para o vento, para a vida, determina o
capitão para logo conceber a casa do bispo, os edifícios do governo, as moradas
dos corregedores, o palacete estival do vice-rei, a prefeitura, o quartel e as
prisões e a forca. Barco I, que abandonara a meias e a meias carregara nas carretas e que fora se perdendo nos
caminhos se reconstrui em muralhas e calçadas e portais e jardins e
pátios e fontes e casas com janelas no alto que se repetem em desenhos
repetidos, na paisagem recente. Nasce do nada, feita dos bosques abatidos e se
define em sacadas, balaustradas, em gonzos e em dobradiças, em portas de
serviço. Juan Núñez de Prado que a imagina crescendo, transformada em burgo,
precisando de artífices, carpinteiros,
pedreiros, serralheiros, calafates para se erguer e o padre Carvajal, na
donairosa capela e sacrário e catedral,
nos sinos que se multiplicam, soando entre os ramos das árvores. Os sinos que
farão, como a forca, a submissão do Continente: os sinos da igreja e as
cordas da forca, somente isso era a cidade e a Espanha, Deus e o rei, diz
Juan Núñez de Prado a um de seus capitães na certeza de que lhe bastavam um e
outro para conduzir a cidade, para mudá-la de assento, ainda que sozinho no seu
cavalo: a religião, atemorizando, com abstrações, os soldados e os índios; a
forca, infundindo-lhes o medo de um julgamento alheio a quaisquer regras que
não sejam as que se prestam a preservar os interesses daqueles que as ditam.
Assim,
ao querer Juan Núñez de Prado matar um
de seus capitães, logo se justifica, negando-se a pecha de assassino,
atribuindo-se a autoridade de um justiceiro, um alguazil, um oficial do Santo
Ofício, um enviado do Vice-rei e de Real Audiência. E quando, dois soldados, a
seu mando, são enforcados, embora sem a certeza de que isto seja correto – senhor, daremos prazos, um pouco de inútil espera aos prisioneiros
aconselha o escrivão – procura, com uns
papéis na mão enluvada, dar explicações.
Criando as ruas e praças e casas e jardins à
semelhança do traçado ibérico e submissos às seculares instituições que, no
Velho Mundo, regeram a conduta dos homens, os conquistadores, atravessando o
Atlântico foram se apossando do que encontraram e, o Continente sem defesa,
permitiu que nele fossem moldadas as velhas caducas idéias, os velhos conceitos
caducos que, inexplicavelmente, resistiram ao tempo.
Trouxemos
conosco a traição, não só o trigo ou algumas plantas exóticas e alguns animaizinhos mas, também a falsidade, a
fraqueza de caráter e de alma [...], o índio sabe, agora que pode atraiçoar o
amigo e a seu irmão, que pode assassinar quem está dormindo ou doente ou incapaz
de se defender [..], diz Juan Núñez de Prado sem que tal momento de lucidez
lhe modifique o comportamento. Porque, acima de tudo, ele se internou no
Continente para tornar realidade o que seu rei, do outro lado do mar, imaginou.

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