São
dezoito contos que alguém poderia afirmar tratar-se de um pequeno romance onde
o grande protagonista seria a linguagem. Jorge Lafforgue sobre eles diz,
também, que é possível lê-los como um
alegado contra a injustiça, um testemunho
de situações intoleráveis. Na verdade, esse pequeno livro é tão
surpreendentemente rico – e na sua forma e nos seus temas – que as aproximações
podem ser múltiplas e profundas. Cada conto é um universo que se inscreve em
Cuatrocasas, um povoado entre dois enormes latifúndios: a fazenda “La
Esperanza” e a fazenda “Los Ñandues”. São léguas e léguas de campo e, além da
terra, seus proprietários são como que donos de tudo. Ou aspiram sê-lo ou
pensam que são.
O
conto “Los señores” é uma obra prima da troça nesse enumerar de embates em que
as duas famílias latifundiárias se degladiam para se impor uns aos outros. Para
isso, nunca lhes faltaram razões ainda que fosse preciso inventar. Assim, a
partida de futebol entre as duas estâncias quando dizem os patrões: Jogando há de se ver de que lado estão os
homens.
Foi
numa tarde de verão e ao estádio chegaram os patrões. Do automóvel foram para
baixo dos guarda-sóis. Havia banda e os jogadores, de uniforme, eram
fotografados. Os patrões apostavam alto. Porém, as apostas em francês, as
apostas em inglês, as expectativas de um 7 a 0, de um 10 a 1 não venceram a
vontade dos peões. Estáticos, ficaram no meio do campo. Indiferentes às ameaças
– Estão todos desempregados, Vão morrer de fome – e à espera dos patrões que voltaram no segundo
dia, na outra semana e no outro mês enquanto eles ficaram ali, indiferentes aos
ventos e aos aguaceiros até que as camisetas foram vencidas pelo tempo.
O
conto termina sem explicar decepções e em que tempo os patrões se conformaram
com elas; sem dar voz aos peões para dizer da misteriosa imobilidade quando
deles era esperada a ação.
Nada
impede, pois, de entender essa imobilidade como a recusa em se constituir o circo para aqueles que
sempre, desejando mais, lhes roubavam todas as forças, todos os suores, numa
exploração sem leis.
Então
a troça que delineava os enfrentamentos entre as famílias é substituída pelo
humor. Porque também é risível saber que os patrões, na expectativa do jogo, apostaram duas mil ovelhas, mil
hectares, um tonel de scotch, cem juntas de boi, ali no estádio voltaram muitas
vezes e que os peões que eles queriam jogadores – foram vestidos uns com camiseta
preta e gola branca, outros de verde com o nome da fazenda bordado nas costas –
se imobilizaram todos, no meio do campo, indiferentes aos passar do tempo.
Mas,
sabe-se, o humor nunca é inocente. O querer dos patrões de se fazer servir,
levado ao paroxismo de transformar os peões da fazenda em jogadores de futebol
no intuito de resolver pendências pessoais, foi neutralizado. Mas por uma ação
que, ao fugir da realidade – permanecer imóvel até as roupas se desfazerem sob
as intempéries –, reafirma essa realidade onde jamais a vontade do patrão pode
ser contrariada.
E,
se possui graça a situação – de um lado os patrões impotentes, esperando,
agora, a vontade dos assalariados, do outro a imobilidade sem palavras –,
igualmente sugere um lado vencedor, o dos peões; mas também, inevitavelmente
sugere, a constatação da impossibilidade que tal aconteça. É quando o risível
se torna reflexão.
Como
os demais contos de Cuatrocasas, se
trata de um conflito que acontece perdido num rincão distante mas que se
extrapola para se transfigurar naquele que é eterno das relações humanas: o da
exploração e domínio do homem pelo homem. E aí está uma das qualidades desse
esplêndido conto. Suficiente para mostrar seu autor como um grande mestre do
gênero no Continente.
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