Há
aquele que se mata, não por ter sido um torturador, dominado por seus remorsos
mas por tristeza amorosa; há o jovem desorientado e melancólico; há aquela que
foi presa e torturada e há o que partiu e voltou. É ele o eixo da narrativa, é
sua a voz principal: Javier. Como diz o autor um desexiliado que após doze
anos de obrigatória ausência, retorna a sua Montevidéu de origem, com um fardo
de nostalgias, esperanças e solidão.
Nessa
volta, sucedem-se os reencontros. Desfazem-se laços. Enovelam-se outros. Em
artigos que envia para um jornal da Espanha, procura entender e explicar um
país que deseja reaver após tê-lo perdido.
Javier
dialoga e escuta monólogos, essas outras vozes que vão completando o que lhe
falta dizer: a ganância dos irmãos, as reflexões de um aposentado, as notícias
da filha e da ex-mulher que ficaram na Espanha; as justificações do deputado
por ter mudado o seu modo de pensar. As vozes dos que foram presos pela
repressão. Ele,
que vem do exílio, percebe tudo com mornidão. Os que ficaram – a seu modo
também uns desexiliados na medida em que estiveram no exílio em sua própria
terra – também parecem incapazes de grandes emoções. E o que relembram do
cárcere parece já estar matizado pelo tempo que passou; o que vivem, depois da
falta de liberdade e da tortura, já foi contaminado pelo sofrimento. Sobretudo,
é como se já não houvesse lugar para mudanças.
Assim,
Javier volta do exílio para se refugiar
numa praia deserta e ser sócio de um vídeo-clube; Fermin, retoma as aulas,
interrompidas pela sua prisão e se contenta de inculcar alguma dúvida
saudável, semear uma sementinha, isso sim, tudo com muito cuidado enquanto
reencontra sua mulher e tenta reencontrar os filhos, criados sem pai;
Egisto Dossi, depois de seis meses de
prisão, de exílio e consequente perda de tantos bens, não quer mais saber de
emoções. Tampouco Eduardo Vargas, não mais entusiasmado por esquerdismos:
depois de longa reflexão, contabiliza suas perdas pelo ideal da juventude e se
aproxima do velho partido para ser um político tradicional, dos de sempre,
vassalo do imperialismo. Igualmente cheio de dúvidas, que o tempo em que passou
na prisão ajudou a alimentar, sobre a veracidade de uma escolha juvenil em que
estava em jogo não apenas o presente mas também o futuro, Alejo. Ele se permite
lembrar a experiência de seis anos de encerro, testemunho que Rocio, também
presa e torturada, se nega. Não quer permanecer escrava daquela temporada alucinante, cavernosa e tenta se reintegrar na vida, sem rancores.
Reconhece as dificuldades, principalmente que os dez anos de prisão significam
uma perda muito maior, como se fosse a metade de sua vida, num sacrifício que
ficou sem resposta.
Reflexões
sobre o país, algum lirismo, mesclando-se ao presente ainda preso a um passado
que vai se esmaecendo e que o uruguaio Mario Benedetti, em Andamios (Seix Barral,
1996), procura reter. Em algo de leve,
de breve, de cordialmente irônico no dizer. Como se esta paz instaurada no país
pela volta da democracia fosse tão frágil que levasse à necessidade de
preservá-la até mesmo de palavras mais incisivas.
E
das muitas vozes o testemunho é tão verdadeiro quanto verdadeira pode resultar
a frase de um dos personagens: A
democracia é amnésica.
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