El camino a Ítaca, de Carlos Liscano
(Montevideo, Cal y Canto, 1997), é um longo caminho para a negação. Vladimir,
delinqüente, foge de seu país. Primeiro, vai para o Paraguai e o Brasil, depois
para a Suécia e Espanha, buscando um lugar onde ninguém o conheça para começar
de novo. Ao partir para a Europa, iludiu-se, pensando ser feliz num país tranquilo, frio, silencioso.
Aguardavam-no a neve, o amor de Ingrid, uma paternidade indignamente recusada,
a desolação de ser um meteco, o
estrangeiro que, na antiga Grécia, não gozava de todos os direitos da
cidadania. Porém, mal aprendeu algumas frases se convenceu de que jamais
dominaria a língua nem seria sueco e o que lhe importava era ceder ao desejo de
saber o que havia mais além, perfeitamente convicto de que seu próprio país não
o interessava. Tampouco aquele em que estava vivendo.
Então
se foi para Barcelona onde queria entender
os anúncios, ler os jornais e se
expressar como adulto. Mas lá, também se deu conta que, indubitavelmente,
continuava a ser um meteco. Mais um entre os vinte milhões pululando no país,
observados, controlados, dentro do possível, pelas leis e pela polícia.
Vladimir,
assim como não se esconde sob as máscaras usuais daqueles que obedecem
preceitos – ele não quer trabalhar, não quer fazer parte do grupo que o rodeia,
não quer usufruir das benesses que uma vida regular proporciona – não desvia os
olhos das aberrações que fazem parte obrigatória do trato social.
Sua
experiência – tenta viver sem fazer nada mas, é evidente que, para satisfazer
as necessidades vitais, deve ser submisso a algo, seja a trabalhos humilhantes,
seja a mendicância – é narrada num tom anodino do qual não se ausentam as notas corrosivas. Trata-se
de uma trajetória de quem desce aos infernos mas que o faz como que tranqüilamente. Não mantém
ilusões sobre si mesmo como tampouco sobre essa sociedade, a Espanha dos Jogos
Olímpicos, na qual, bem ou mal deve se inserir e que, na sua opinião, precisa
apenas de um louco com tambor e bandeira para se dar conta que há inimigos e
culpados para combater, enquanto simula que tudo vai bem.
Vladimir,
que fugiu do Uruguai por problemas relacionados com droga, busca um espaço,
busca mudanças e percebe que elas não são possíveis num mundo regido por regras
que lhe parecem discutíveis. Ironicamente
cordial, melancólico, vai dando conta de si mesmo e do que está a seu redor. A
miséria termina por degradá-lo.
Nas
duzentas e cinqüenta páginas em que monologa, se sucedem os conceitos, as
rápidas troças, o humor negro, os instantâneos de um cotidiano que não resiste
à críticas, as confissões de solidão.
Muito
simples o ato de narrar numa linearidade dos fatos que surpreende ao unir as
duas pontas da história, círculo vicioso sem saída como parece que deve ser
quando o indivíduo repudia normas.
São
pobres e mesquinhas as aventuras de Vladimir. As de um homem que se deseja
livre e não se furta por isso de pagar um preço: itinerário de ausências e de
privações, tão absurdo quanto os outros determinados pelo viver comum e
corrente.

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