domingo, 15 de março de 1998

A escolha


          El camino a Ítaca, de Carlos Liscano (Montevideo, Cal y Canto, 1997), é um longo caminho para a negação. Vladimir, delinqüente, foge de seu país. Primeiro, vai para o Paraguai e o Brasil, depois para a Suécia e Espanha, buscando um lugar onde ninguém o conheça para começar de novo. Ao partir para a Europa, iludiu-se, pensando ser feliz num país tranquilo, frio, silencioso. Aguardavam-no a neve, o amor de Ingrid, uma paternidade indignamente recusada, a desolação de ser um  meteco, o estrangeiro que, na antiga Grécia, não gozava de todos os direitos da cidadania. Porém, mal aprendeu algumas frases se convenceu de que jamais dominaria a língua nem seria sueco e o que lhe importava era ceder ao desejo de saber o que havia mais além, perfeitamente convicto de que seu próprio país não o interessava. Tampouco aquele em que estava vivendo.

           Então se foi para Barcelona onde queria entender os anúncios, ler os jornais e se expressar como adulto. Mas lá, também se deu conta que, indubitavelmente, continuava a ser um meteco. Mais um entre os vinte milhões pululando no país, observados, controlados, dentro do possível, pelas leis e pela polícia.

           Vladimir, assim como não se esconde sob as máscaras usuais daqueles que obedecem preceitos – ele não quer trabalhar, não quer fazer parte do grupo que o rodeia, não quer usufruir das benesses que uma vida regular proporciona – não desvia os olhos das aberrações que fazem parte obrigatória do trato social.
 
           Sua experiência – tenta viver sem fazer nada mas, é evidente que, para satisfazer as necessidades vitais, deve ser submisso a algo, seja a trabalhos humilhantes, seja a mendicância – é narrada num tom anodino do qual  não se ausentam as notas corrosivas. Trata-se de uma trajetória de quem desce aos infernos mas  que o faz como que tranqüilamente. Não mantém ilusões sobre si mesmo como tampouco sobre essa sociedade, a Espanha dos Jogos Olímpicos, na qual, bem ou mal deve se inserir e que, na sua opinião, precisa apenas de um louco com tambor e bandeira para se dar conta que há inimigos e culpados para combater, enquanto simula que tudo vai bem.

              Vladimir, que fugiu do Uruguai por problemas relacionados com droga, busca um espaço, busca mudanças e percebe que elas não são possíveis num mundo regido por regras que lhe parecem discutíveis. Ironicamente cordial, melancólico, vai dando conta de si mesmo e do que está a seu redor. A miséria termina por degradá-lo.

               Nas duzentas e cinqüenta páginas em que monologa, se sucedem os conceitos, as rápidas troças, o humor negro, os instantâneos de um cotidiano que não resiste à críticas, as confissões de solidão.

                Muito simples o ato de narrar numa linearidade dos fatos que surpreende ao unir as duas pontas da história, círculo vicioso sem saída como parece que deve ser quando o indivíduo repudia normas.

                 São pobres e mesquinhas as aventuras de Vladimir. As de um homem que se deseja livre e não se furta por isso de pagar um preço: itinerário de ausências e de privações, tão absurdo quanto os outros determinados pelo viver comum e corrente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário